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Lucas: notas de estudo – capítulo 23Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada (Edição de Estudo)
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Em verdade, digo-te hoje: Os manuscritos mais antigos disponíveis das Escrituras Gregas Cristãs foram escritos apenas com letras maiúsculas. E, ao contrário das línguas modernas, o texto grego não tinha espaços nem pontuação. Embora alguns escribas fizessem de vez em quando marcações no texto que podem ter servido como pontuação, essas marcações não eram usadas com frequência nem de forma consistente. Assim, para definir como o texto das Escrituras Gregas Cristãs deve ser pontuado, as traduções modernas da Bíblia baseiam-se nas regras de gramática do texto grego e no contexto do versículo. Neste versículo, a gramática do texto grego permite que se coloque uma vírgula (ou dois-pontos) tanto antes da palavra “hoje” como depois dela. No entanto, a pontuação depende de como os tradutores entendem as palavras de Jesus e do que a Bíblia como um todo ensina. Algumas edições eruditas do texto grego colocam uma vírgula antes da palavra grega para “hoje”. Entre elas estão as edições preparadas por Westcott e Hort, Nestle e Aland, e pelas Sociedades Bíblicas Unidas. Contudo, para que as palavras de Jesus aqui estejam de acordo com o que ele disse noutras ocasiões e com o restante da Bíblia, a vírgula deve ser colocada depois da palavra “hoje”. Por exemplo, Jesus disse que morreria e permaneceria “no coração da terra [na sepultura]” até ao terceiro dia. (Mt 12:40; Mr 10:34) Em mais de uma ocasião, ele disse aos seus discípulos que seria morto e que seria ressuscitado apenas no terceiro dia. (Lu 9:22; 18:33) Além disso, a Bíblia diz que Jesus foi ressuscitado como “as primícias dos que adormeceram na morte” e que ele só subiu aos céus 40 dias mais tarde. (1Co 15:20; Jo 20:17; At 1:1-3, 9; Col 1:18) Portanto, visto que Jesus não foi ressuscitado no mesmo dia em que morreu, mas apenas no terceiro dia, seria impossível que o criminoso estivesse com ele no Paraíso no mesmo dia em que Jesus fez a promessa.
De acordo com isso, uma versão do Evangelho de Lucas em siríaco, conhecida como “texto siríaco curetoniano” (datada do século 5 EC), traduz assim este versículo: “Amém, eu digo a ti hoje que comigo tu estarás no Jardim do Éden.” (The Curetonian Version of the Four Gospels, de Francis C. Burkitt, volume 1, Cambridge, 1904) Também é interessante que comentaristas do texto grego, tanto antigos como mais recentes, escreveram sobre as diferenças de opinião que existiam a respeito da tradução deste versículo. Por exemplo, Hesíquio de Jerusalém, que viveu nos séculos 4 e 5 EC, escreveu sobre Lu 23:43: “Alguns textos realmente dizem o seguinte: ‘Em verdade, digo-te hoje’, e inserem uma vírgula; depois continuam: ‘Estarás comigo no Paraíso.’” (Patrologiae Graecae, volume 93, colunas 1432 e 1433) Teofilacto, que viveu nos séculos 11 e 12 EC, escreveu: “[Alguns] colocam um sinal de pontuação depois de ‘hoje’, para que a frase fique assim: ‘Em verdade, digo-te hoje.’ Depois, continuam com a expressão: ‘Estarás comigo no Paraíso.’” (Patrologiae Graecae, volume 123, coluna 1104) George M. Lamsa escreveu o seguinte sobre o uso de “hoje” em Lu 23:43: “A ênfase está na palavra ‘hoje’. O texto deveria ficar assim: ‘Em verdade, digo-te hoje: Estarás comigo no Paraíso.’ A promessa foi feita naquele dia, mas seria cumprida no futuro. Esta forma de falar é usada pelos povos do Oriente para indicar que uma promessa feita num determinado dia vai cumprir-se com certeza.” (Gospel Light—Comments on the Teachings of Jesus From Aramaic and Unchanged Eastern Customs, páginas 303 e 304) Assim, pode ser que as palavras de Jesus registadas em grego em Lu 23:43 refletissem o modo das línguas semíticas de dar ênfase. As Escrituras Hebraicas estão cheias de exemplos que mostram que, em hebraico, era comum usar a palavra “hoje” para dar peso a uma declaração de grande importância, como uma ordem ou um juramento. (De 4:26; 6:6; 7:11; 8:1, 19; 30:15; Za 9:12) As evidências acima indicam que, quando Jesus usou a palavra “hoje”, ele estava a referir-se ao dia em que a promessa foi feita, e não ao dia em que o criminoso estaria no Paraíso.
Várias traduções da Bíblia, como as que foram feitas para o inglês por Rotherham e por Lamsa (edição de 1933) e as que foram feitas para o alemão por Ludwig Reinhardt e por Wilhelm Michaelis, reconhecem que a palavra “hoje” se refere ao dia em que a promessa foi feita, e não ao dia em que se cumprirá. Nessas traduções, Lu 23:43 foi traduzido de forma parecida com a da Tradução do Novo Mundo.
Paraíso: A palavra “paraíso” vem do grego parádeisos. Existem palavras semelhantes em hebraico (pardés, em Ne 2:8; Ec 2:5; Cân 4:13) e em persa (pairidaeza). Nessas três línguas, a palavra transmite basicamente a ideia de um lindo jardim semelhante a um parque. Os tradutores da Septuaginta usaram em Gén 2:8 a palavra grega parádeisos para traduzir a palavra hebraica para “jardim” (gan) na expressão “jardim no Éden”. Algumas traduções das Escrituras Gregas Cristãs para o hebraico (chamadas J17, 18, 22 no Apêndice C) traduzem Lu 23:43 assim: “Estarás comigo no jardim do Éden.” Jesus não estava a falar do “paraíso de Deus” no céu, mencionado em Ap 2:7, visto que esse paraíso foi prometido ‘àqueles que vencerem’, ou seja, os escolhidos para reinar com Jesus. (Lu 22:28-30) Para ser um escolhido, a pessoa precisa de ‘nascer de água e espírito’ (Jo 3:5) e ‘vencer o mundo’, assim como Jesus venceu (Jo 16:33), o que não era o caso daquele criminoso. Ao que tudo indica, ele estará entre os “injustos” que serão ressuscitados para viver num paraíso na Terra debaixo do Reino que será governado por Jesus durante mil anos. — At 24:15; Ap 20:4, 6.
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