Novo tratamento salva vidas
SAINDO do quarto de Gary por alguns minutos, deparei com dois de nossos irmãos cristãos da congregação, sentados na sala de espera. Aproximaram-se, um deles segurando na mão uma cópia fotostática duma página da revista A Sentinela, em inglês. Depois de breve troca de saudações, ele ma deu. Era “Por Dentro das Notícias”, do número, em inglês, de 1.º de setembro de 1974 (edição de 15 de outubro de 1974, p. 627, em português).
Ao lê-la, nítido raio de esperança entrou em meu coração. A notícia citada falava de nova técnica para auxiliar os pacientes com grande perda de volume sangüíneo. O tratamento é chamado de “oxigênio hiperbárico”.
Confronto Decisivo
Foi por volta das 11,30 horas que o chefe de cirurgia do hospital apareceu no corredor. Ele nos chamou ao seu gabinete com a observação: “Vamos resolver esta questão de uma vez para sempre.”
Era um gabinete pequeno, que se tornava ainda menor com três médicos, eu mesma e dois dos meus amigos apinhados dentro dele. Podia ver que os médicos estavam cansados, presumia eu, por terem dedicado tantas horas ao seu trabalho e por se verem confrontados com tantos problemas difíceis. A restrição, no caso de Gary, de não se lhe dar sangue, parecia aumentar a carga deles. Eu podia compreender isto.
“Tenho conversado com meus médicos e eles estão aborrecidos”, declarou o chefe da cirurgia. “Mais do que aborrecidos, estamos irados! Temos um homem jovem que podemos salvar, mas os princípios segundo os quais vocês vivem e o incentivam a viver tornam quase que impossível ajudá-lo.”
Enfiando ruidosamente várias chapas de raios X da perna quebrada de Gary sob os clipes que as seguravam na tela luminosa de observação, situada em uma das paredes, apontou as fraturas múltiplas na perna de Gary. Pareciam a parte quebrada, pontuda e serrilhada, dum lápis. Uma mostrava vividamente um osso exposto através da carne.
“É contra isso que lutamos”, disse ele, apontando, em rápida sucessão, para cada uma das fraturas indicadas pelas chapas de raios X. “Gary precisa de pinos aqui, aqui e aqui, e, em cada caso, a operação exige sangue.” Vez após vez, continuava repetindo: “Estou muito irado!” Eu me sentia terrivelmente amedrontada, sabendo ser o alvo principal de sua indignação. Curvei a cabeça e comecei a chorar.
“Eu também sou cristão”, declarou o chefe da cirurgia. “Não vejo nada de errado em se tomar transfusões de sangue. Mesmo se isso fosse errado, Deus a perdoaria.” Mudando de tática, disse: “Se não tentar fazer com que Gary aceite sangue, isso será o mesmo que assassiná-lo. Qualquer pessoa que realmente se interesse por ele [eu sabia que seus olhos provavelmente estavam fixos em mim] tentará influenciar Gary a aceitar sangue.” Trocando de posição novamente, ele, com jeitinho, apelou para minha vontade, dizendo: “Se ele tomar realmente sangue, poderá sair daqui e estar em casa, com a senhora, e os filhos, e, por fim, voltar ao seu trabalho. O sangue é a única solução.
“Este homem está morrendo, e podemos salvá-lo, mas a senhora está atando nossas mãos. Já sentiu alguma vez alguém morrer em suas mãos e não poder salvá-lo?”, prosseguiu. Interrompendo-o, eu disse brandamente: “Sim, já tive uma filha.” Minha declaração deve tê-lo apanhado desprevenido, porque parou de falar. A pausa desajeitada foi interrompida quando ele declarou: “Muito bem, quero que todo mundo saia. Saiam e pensem naquilo que este homem tem de sofrer.”
Mudança de Atitude
Ao me levantar para sair, virei-me para ele e pedi-lhe: “Posso lhe falar um instante?” Todos pararam e se viraram para mim. “A sós”, concluí. “OK, todo o mundo saia”, berrou ele.
Quando todo o mundo tinha saído, senti de imediato uma mudança em seu porte. Parecia amainado. Travando uma conversinha amigável, perguntou como eu me tornara Testemunha de Jeová, e perguntou sobre minha filha. Daí, perguntou minha idade. “Vinte e seis”, disse-lhe eu. Para minha surpresa, ele respondeu: “Minha filha, você é tão jovem para passar por tudo isso.”
Fiquei atônita diante de sua transformação. Perguntei-lhe se tinha mente aberta. Ele disse que tinha. Eu queria que ele se definisse antes de lhe dar o relatório da Sentinela sobre o tratamento hiperbárico. Ao devolvê-lo a mim, perguntei: “Acha que poderia dar certo?”
“Bem, não sei”, respondeu. “Nessa altura, vale a pena tentar qualquer coisa.”
“Poderia enviá-lo para outro lugar”, supliquei-lhe.
“Oh, não”, disse ele. “Não vou fazer isso; terá de fazer isto sozinha. Poderá telefonar para a base naval.”
“O que devo dizer? A quem devo telefonar?”, perguntei.
“Terá simplesmente de telefonar para lá e perguntar quem é o encarregado do tratamento hiperbárico e simplesmente lhe contar o caso.” Nisso ele rapidamente se inclinou para a frente, alcançando o telefone sobre sua mesa. Começou a falar com alguém — alguém a quem conhecia pelo primeiro nome. Relatando toda a minha experiência, atuou como se realmente desejasse ajudar-me. Colocando de novo o fone no gancho, disse: “Tudo está arranjado.” Gary seria transferido para o Hospital Memorial de Long Beach.
É provável que, devido à atuação decisiva do chefe de cirurgia, os preparativos para enviar Gary para lá tenham sido feitos de forma surpreendentemente rápida. Ao aprontá-lo para o trajeto, contudo, um dos médicos afirmou sobre o tratamento hiperbárico: “Isso de nada valerá.” Embora falasse brandamente, sua voz mostrava furor, ao sublinhar: “Ele precisa de sangue para curar suas feridas.” Isto me desanimou. Mas, sem perda de tempo, Gary foi levado numa maca para uma ambulância que o aguardava. Um médico nos acompanhou por todo o trajeto.
Reavivadas Minhas Esperanças
Por fim, vi surgir à vista enorme hospital ultramoderno. Havia atendentes à sua espera. Levaram Gary de maca até o sétimo pavimento, a um pequeno quarto particular no Centro de Tratamento Intensivo. Aproximando-se de mim, uma enfermeira explicou que eu deveria ficar do lado de fora, até que os médicos terminassem seu exame. Eu fui a um lavatório, alguns andares abaixo, para me lavar um pouco. Ali pausei para orar pedindo coragem e forças. Tinham-se passado umas 18 horas desde que eu acordara com aquele telefonema atemorizante, na noite anterior.
Consegui ir-me arrastando de novo até o quarto de Gary. Quando entrei, os dois médicos ainda estavam lá. Por um instante, esqueci que estava levando o artigo sobre o tratamento hiperbárico. Indo até o médico mais perto de mim, entreguei-o a ele. Era um senhor alto, ligeiramente gordo, com ombros largos e cabelos negros ondulados, penteados para trás. Ele o recebeu e começou a lê-lo. Quando terminou, murmurou de forma tipicamente médica: “Ah, ha.” Impaciente à espera de sua opinião, perguntei-lhe: “Já ouviu falar neste tratamento?”
“Oh, sim”, respondeu um tanto indiferente. “Eu escrevi esse artigo.” (Tratava-se do artigo publicado no Journal of the American Medical Association, de 20 de maio de 1974, citado em A Sentinela.) Senti meu rosto ruborizar-se, enquanto que uma mistura de embaraço e extrema alegria tomava conta de mim. Ao continuar a falar, descrevendo o tratamento, elevou-se minha baixa disposição de espírito.
Eu queria ser otimista, mas ainda nutria dúvidas. Repeti-lhe os comentários do médico, pouco antes de deixarmos o hospital universitário. “Essa era a opinião dele”, expliquei-lhe, “de que o tratamento não daria certo, e, mesmo que desse, Gary ainda não se curaria direito, porque precisava de sangue total”. Fitando-me diretamente nos olhos, balançou a cabeça, compreensivamente, e declarou de modo filosófico: “Alguns homens só falam em sua ignorância.” Satisfeita e tranqüilizada, eu agora cria que as probabilidades estavam a favor de Gary.
O Tratamento Pelo Oxigênio Hiperbárico
O que a oxigenoterapia hiperbárica faz é submeter o corpo inteiro a 100 por cento de oxigênio sob pressão maior que a atmosférica, que é de aproximadamente 1 quilograma por centímetro quadrado, ao nível do mar. A pressão aumentada dissolve o oxigênio nos tecidos e fluidos do corpo em concentrações muito acima do normal. O aparelho usado é um tanque ou câmara cilíndrica de pesada construção metálica, dotada de grossa cúpula de vidro que habilita o paciente a ver as pessoas do lado de fora e ser visto lá dentro. A porta da câmara, incomumente grossa, circular, assemelha-se à porta dum cofre bancário. A comunicação só é possível por meio de um sistema de intercomunicação.
Inicia-se lentamente a compressão, e ela aumenta gradualmente até atingir o nível prescrito. A sensação nos tímpanos é similar à que se tem quando se dirige um veículo ao subir e descer uma montanha. Nos primeiros dias, Gary recebeu tal tratamento a cada seis horas, ininterruptamente. Ao terminar cada tratamento, sentia revigorante estímulo.
Ao retornar da Câmara Hiperbárica às 20 horas do quarto dia, a enfermeira, como era usual, examinou o hematócrito de Gary. Os resultados geraram certa excitação — o valor do hematócrito tinha aumentado 10 por cento no total — passando de 10 para 11. Embora ainda fosse perigosamente baixo, as notícias tiveram um efeito eufórico sobre nós. Já no oitavo dia de tratamento, seu hematócrito era de 19, suficientemente alto para que fosse transferido do Centro de Tratamento Intensivo para a ala de isolamento.
Inequívoca evidência da saúde melhorada de Gary ocorreu certa manhã, quando ele acordou. “Sente vontade de comer seu desjejum esta manhã?”, perguntei-lhe alegremente. Desde o acidente, ele não conseguia reter nenhum alimento no estômago. Eu pulei da cadeira, que usava como cama, quando ele disse: “Sinto sim, acho que sim.”
“Muito bem”, disse eu, muito excitada. Seu gosto pela comida, que se renovava, era prova adicional de que ele iria sobreviver. Contrário ao conceito médico popular, ele havia sobrevivido sem sangue, e, ao mesmo tempo, tinha evitado as complicações, às vezes fatais, que não raro surgem quando são dadas transfusões de sangue. Mas, naturalmente, o motivo de ele recusar o sangue era a lei de Deus para os cristãos: Persisti em “vos absterdes . . . de sangue”. — Atos 15:28, 29.
Outra Crise
Antes de Gary ser removido do Centro de Tratamento Intensivo, Bryan começou a ter febre alta. Sua fontanela ou moleira, a parte macia no alto de sua cabeça, estava inchada, indicando que havia pressão sobre seu cérebro — o primeiro sinal de meningite espinal. Uma onda de horror doentio desceu sobre mim quando a médica que cuidava dele anunciou que ele precisava de uma transfusão de plaquetas sangüíneas. Ela explicou que, visto que sua taxa de plaquetas era tão baixa, a realização da punção espinal apresentava risco de provocar hemorragia, possivelmente levando à paralisia.
Um mandado judicial para tirar de nós a custódia de Bryan fora obtido na primeira vez que o internamos neste hospital. Mas, não lhe foi dado nenhum sangue, porque não havia dose que o ajudasse. Bryan não conseguia produzir devidamente suas próprias plaquetas. Assim, chegamos a um acordo com o médico que tratava de Bryan, que não se lhe ministraria nenhum sangue.
Por fim chegou o médico com o qual havíamos feito tal acordo. Eu lhe expliquei resumidamente o que ocorrera. Ele disse que passaria a realizar a punção espinal sem sangue. Era tão simples assim — não se lhe daria sangue. Todavia, a possibilidade de ter uma hemorragia até morrer e de paralisia ainda existiam. O líquido espinal foi enviado ao laboratório, e soube-se que Bryan tinha meningite por vírus. Suspirei aliviada.
Dramática Inversão
Desde seu primeiro exame de plaquetas, feito no dia que descobrimos sua moléstia, a taxa de Bryan permanecera estática, em 4.000 por milímetro cúbico. Mas, alguns dias depois do seu ataque de meningite, um exame de sangue dele revelou dramática inversão. Com rosto radiante, o médico anunciou: “A taxa de Bryan subiu um pouquinho.”
“Subiu?”, interrompi eu.
“Sim”, continuou ele. “Subiu para 25.000.”
Terrivelmente excitada, eu queria crer que Bryan sobreviveria. Mas tínhamos perdido as esperanças porque nos fora dito que poucos haviam sobrevivido a esta doença, pelo menos segundo o conhecimento do médico. Mal me podia conter, ao contar a Gary as boas novas sobre a taxa crescente de plaquetas de Bryan. “Isso ainda não é bom, Jan”, disse-me ele sem rodeios, sem ficar comovido pelo meu entusiasmo. Ele tentava proteger-me. Um dos médicos declarara que as probabilidades de sobrevivência de Bryan eram de uma em um bilhão.
Passou-se uma semana. Levamos Bryan para fazer outro exame de sangue. Desta vez, sua taxa de plaquetas era de 50.000! E o exame de cada semana seguinte continuou a apresentar um aumento. O exame seguinte apresentou um valor surpreendente de 193.000; na semana seguinte, a taxa era de 309.000. Por fim, chegou a 318.000, considerada normal. Os médicos ficaram surpresos, tanto assim que faziam estes comentários: ‘Aí vem o Bebê Incomum’, e: ‘Ele está fazendo com que todos nós nos tornemos Testemunhas de Jeová.’ Chegaram ao ponto de atribuir a mudança no quadro clínico de Bryan a ‘um milagre’.
Tanto Gary como Bryan se recuperaram plenamente, e sinto-me muito grata pelos excelentes resultados. Ninguém deseja ver seus entes queridos sofrer ou morrer. Todavia, ao mesmo tempo, tais experiências sublinharam para mim que existe algo mais importante do que nossa vida atual. É de ainda maior importância obedecermos às leis de Deus, porque, se o fizermos, temos a promessa segura de que Deus nos ressuscitará dentre os mortos no seu novo sistema justo, onde poderemos usufruir a vida eterna em perfeita saúde e felicidade. (Rev. 21:3, 4) Não prova a fidelidade de Jesus Cristo, mesmo até à morte, e sua ressurreição por parte de Deus, que tal proceder obediente aos requisitos de Deus é o proceder mais sábio?
Sou grata a nosso misericordioso e bondoso Deus, Jeová, por me dar as forças para perseverar fielmente, enquanto obedecia às suas leis, durante aqueles dias atribulados. Estas palavras inspiradas do apóstolo Paulo, segundo penso, aplicaram-se verdadeiramente em meu caso: “Temos este tesouro em vasos de barro, para que o poder além do normal seja o de Deus e não o de nós mesmos.” (2 Cor. 4:7) — Contribuído.