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Página doisDespertai! — 1990 | 8 de março
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Página dois
Durante muitos séculos, a Espanha e o catolicismo pareciam tão inseparáveis como a Madona e o menino. A visita triunfal do papa à Espanha, em 1982, em que milhões de pessoas aclamaram João Paulo II com as palavras Totus tuus (Todo teu), aparentemente confirmou a devoção daquele país à sua fé tradicional.
Mas, uma vez diminuída a euforia, incomodativas contradições persistiam — algumas arraigadas na História, outras sendo um produto de nossos tempos. Os artigos que seguem examinarão algumas destas contradições, junto com suas causas, e suas implicações para a outrora todo-poderosa igreja da Espanha.
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A Igreja Católica na Espanha — as contradiçõesDespertai! — 1990 | 8 de março
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A Igreja Católica na Espanha — as contradições
Do correspondente de Despertai! na Espanha
“As coisas raramente são o que aparentam ser.” Esta observação de Sir William Gilbert descreve apropriadamente o templo da Sagrada Família, em Barcelona (representado na página 10). Suas majestosas torres escondem um interior vazio — depois de cem anos de construção, o templo ainda é apenas um esqueleto. O catolicismo espanhol também é uma curiosa mistura de força e de vazio, como revelam os comentários feitos pelos seguintes espanhóis:
“João XXIII? O nome me parece familiar. Foi algum rei?”, disse Cristina, adolescente espanhola, que jamais tinha ouvido falar nesse papa popular.
O motorista de táxi de Madri, José Luís, junto com sua esposa, Isabel, fizeram uma das raras visitas à igreja paroquial para batizar seu filho. “Por que desejam batizar seu filho?”, perguntaram-lhes. “Porque somos católicos”, respondeu o pai. No entanto, quando pressionado, ele admitiu que o motivo principal era evitar problemas com a família.
QUEM visitar a Espanha durante a Semana Santa poderá muito bem ficar impressionado com as procissões realizadas em cidades por todo o país. Mas alguns espanhóis — especialmente os mais jovens — talvez saibam muito pouco, se é que sabem algo, sobre a religião que professam.
O analfabetismo religioso muitas vezes é acompanhado por indiferença religiosa. Embora a maioria dos espanhóis sejam batizados, casem-se e sejam sepultados pela igreja — e deveras se considerem católicos — outra coisa é viver de acordo com os decretos de Roma.
Os pais talvez batizem seus filhos, mas, raramente se sentem obrigados a ensinar-lhes a doutrina católica. Os que se casam provavelmente fazem seus votos solenes na igreja, mas raramente se sentem obrigados a seguir os ensinos da igreja sobre assuntos conjugais. E 10 por cento dos que afirmam ser católicos nem sequer crêem num Deus pessoal.
Esta situação não é de todo surpreendente, a julgar pela relação duradoura, porém contraditória, da Espanha com a igreja. Descrita como sendo anteriormente “a luz [do concílio] de Trento, o martelo para os hereges e a espada de Roma”, a Espanha também gerou a “mais sanguinolenta perseguição sofrida pela Igreja Católica em toda a sua existência”, declara um professor de História Contemporânea da Universidade de Deusto, Vizcaya.
No século 16, os recursos e os exércitos espanhóis defenderam o catolicismo europeu contra a maré protestante, mas, em 1527, Roma e o próprio Vaticano foram impiedosamente saqueados pelo exército de Carlos I, imperador espanhol.a Carlos, como outros soberanos espanhóis, desprezava sem mais nem menos quaisquer decretos do Vaticano que não eram de seu agrado.
O tipo independente, porém exclusivo, de catolicismo da Espanha deve tais contradições a uma relação ímpar entre Igreja e Estado, formada quando ambos estavam no auge do poder.
[Nota(s) de rodapé]
a Depois de saquear Roma, em 1527, Carlos manteve o Papa Clemente VII sob virtual prisão domiciliar no Castelo de Santo Ângelo, em Roma, por sete meses.
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A Igreja Católica na Espanha — o poder e os privilégiosDespertai! — 1990 | 8 de março
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A Igreja Católica na Espanha — o poder e os privilégios
“O Senhor confiou a Pedro, não só o governo da Igreja, mas também o do mundo todo.” — Papa Inocêncio III.
QUANDO Inocêncio III escreveu essas palavras, nos primórdios do século 13, a Igreja Católica medieval tinha atingido o pináculo do poder. Mas o caminho para o poder temporal tinha sido pavimentado por alianças políticas, em vez de espirituais. Em parte alguma isto aconteceu mais do que na Espanha.
A igreja espanhola apossou-se do poder e dos privilégios por unir forças com o Estado.
A União Religiosa, um Instrumento Político
Em 1479, depois de séculos de governo por parte de reinos divididos e rebeldes, quase toda a Espanha tornou-se unida sob o reinado de Fernando e Isabel. Mas como é que a nação recém-formada ficaria unida em pensamento e objetivo? Fernando recorreu à ajuda da igreja. Em 1478, instalara-se a Inquisição, com o apoio papal. Agora, controlada pelo rei e dirigida pela igreja, provou-se ser uma das armas mais poderosas já inventadas para suprimir a dissensão religiosa e política. Com a rápida submissão de todos os católicos espanhóis batizados ao seu jugo, o único obstáculo restante eram os milhões de não batizados — os judeus e os mouros.
Em 1492, Fernando e Isabel, sob a pressão do inquisidor-geral Torquemada, ordenaram a expulsão de todos os judeus não batizados da Espanha. Dez anos depois, todos os mouros que se recusaram a se tornar católicos também foram expulsos. O frei Bleda descreveu o êxodo forçado dos muçulmanos como “o evento mais glorioso da Espanha, desde o tempo dos Apóstolos”. Acrescentou ele: “Agora a unidade religiosa está garantida, e uma era de prosperidade certamente está prestes a alvorecer.” La España Católica tornara-se uma realidade, e em reconhecimento disto, Isabel e Fernando foram chamados de “reis católicos” pelo Papa Alexandre VI.
A igreja espanhola, tendo alcançado a unidade religiosa no setor doméstico, ampliou seus horizontes. Sob o patronato da realeza espanhola, Colombo acabara de descobrir novas terras e povos nas Américas. Acompanhando os conquistadores, freis dominicanos e franciscanos velejaram para o Novo Mundo, resolvidos a trazer os pagãos para o seio da igreja.
Foi dito a Cortés, conquistador do México, que o alvo primário de sua expedição era servir a Deus e disseminar a fé cristã. Apesar disso, ele admitiu francamente: “Eu vim à cata de ouro.” Talvez a maioria dos conquistadores tivessem motivos dúbios, similares aos expressos por um dentre eles: “Viemos para cá para servir a Deus e também para ficar ricos.”
Antes de empreender a conquista de determinada região, os conquistadores liam em voz alta um documento intitulado Los requisitos — ao alcance ou não dos ouvidos dos nativos o qual exigia que os nativos reconhecessem que a igreja governava o mundo e que o rei de Espanha era seu representante. Bastava a recusa de reconhecer isso para se considerar a colonização militar uma “guerra justa”.
Milhões de nativos foram batizados, muitos logo depois de conquistados. Depois disso, sacerdotes e frades cooperaram com os monarcas espanhóis no governo das colônias. Como comenta Paul Johnson historiador eclesiástico: “A Igreja Católica era uma agência do governo espanhol, e nunca o foi tanto como nas Américas. . . . Em troca, a Igreja exigia proteção, privilégios, e a devoção inquebrantável da coroa à fé ortodoxa.”
Assim, já em fins do século 16, a igreja na Espanha se havia tornado a mais poderosa igreja nacional da cristandade. Ela exercia absoluto controle religioso por toda a Espanha e ampla parte do Novo Mundo. Mas o singular poder e privilégios que ela usufruía inevitavelmente levaram a abusos mais pronunciados do que em outras terras.
[Destaque na página 5]
“Viemos para cá para servir a Deus e também para ficar ricos.”
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A Igreja Católica na Espanha — o abuso do poderDespertai! — 1990 | 8 de março
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A Igreja Católica na Espanha — o abuso do poder
“Quanto maior o poder, tanto mais perigoso é o abuso.” — Edmund Burke.
O HOMEM que brandia o maior poder na Europa, no século 16, era Filipe II, rei da Espanha católica. Seu vasto império, “no qual o sol jamais se punha”, estendia-se do México às Filipinas, dos Países-Baixos ao Cabo da Boa Esperança.
Mas suas ambições eram religiosas e não políticas — defender o catolicismo na Europa e disseminar a fé por todo o seu império. Criado por sacerdotes, ele estava convicto de que a igreja Católica era o derradeiro baluarte de sua monarquia e da própria civilização. Acima de tudo, ele era um filho da igreja.
Para promover a causa do catolicismo, deu sua bênção aos métodos cruéis da Inquisição; combateu os protestantes nos Países-Baixos e os “infiéis” turcos no Mediterrâneo; casou-se relutantemente com Mary Tudor, uma doentia rainha inglesa, numa tentativa infrutífera de prover-lhe um herdeiro católico; mais tarde, mandou a “invencível”, porém malfadada, Armada para remover a Inglaterra do rebanho protestante; e, por ocasião de sua morte, deixou o país falido — apesar das enormes infusões de ouro provindas das colônias.
A Inquisição — Três Séculos de Repressão
Em seguida ao rei, o homem mais poderoso da Espanha era o inquisidor-geral. Seu dever era conservar imaculado e ortodoxo o catolicismo espanhol. Os não-ortodoxos guardavam para si suas opiniões ou iam para o exílio, caso os agentes da Inquisição não os pegassem primeiro. Todos, com a possível exceção do rei, eram vulneráveis ao poder da Inquisição e ao abuso deste — nem sequer a hierarquia católica estava livre de suspeitas.
O arcebispo de Toledo ficou preso por sete anos, com base na mais tênue evidência, apesar de repetidos protestos papais. Ninguém na Espanha ousava manifestar-se em defesa dele. Argumentava-se que ‘é melhor que um homem inocente seja condenado do que a Inquisição sofrer desonra’.
A Inquisição acompanhou os conquistadores até as colônias espanholas nas Américas. Em 1539, apenas poucos anos depois da conquista do México, o chefe asteca, Ometochtzin, foi acusado de idolatria, à base de evidência fornecida por seu próprio filho, de dez anos. Apesar de seu apelo a favor da liberdade de consciência, foi condenado à morte. Nas colônias, assim como na Espanha, era proibida a Bíblia no vernáculo. Jerónimo López escreveu, em 1541: “É um erro muitíssimo perigoso ensinar a ciência aos índios, e ainda mais colocar a Bíblia. . . nas mãos deles. . . . Muitas pessoas, em nossa Espanha, perderam-se dessa forma.”
Durante três séculos, a Inquisição manteve sua estreita vigília sobre a Espanha e seu império, até que, por fim, ficou desprovida de recursos e de vítimas. E, sem vítimas, que eram obrigadas a pagar pesadas multas, a máquina inteira parou.a
Ventos de Mudança
Com o fim da Inquisição, a Espanha do século 19 presenciou o crescimento do liberalismo e o gradual declínio do poder católico. As terras da igreja — que constituíam até então um terço de todas as terras cultivadas — foram confiscadas pelos sucessivos governos. Na década de 30, o primeiro-ministro socialista Azanã declarou: “A Espanha deixou de ser católica”, e seu governo agiu concordemente.
A igreja foi inteiramente separada do Estado, e foram abolidos os subsídios concedidos ao clero. A educação deveria ser não-religiosa, e até mesmo se introduziram o casamento civil e o divórcio. O Cardeal Segura lamentou este ‘grave golpe’ e receou pela sobrevivência daquela nação. Parecia que o catolicismo estava destinado a um inevitável declínio quando, em 1936, um levante militar abalou a nação.
Guerra Civil — Uma Cruzada Cruel
Os generais do exército que lideravam o golpe foram motivados por objetivos políticos, mas, logo em seguida, o conflito assumiu tonalidades religiosas. Dentro de poucas semanas do início do levante, a igreja, cujo poder já tinha sido minado por leis recentes, subitamente se tornou o alvo de ampla e malévola agressão.b Milhares de sacerdotes e monges foram mortos por fanáticos oponentes do golpe militar, que igualavam a igreja espanhola a uma ditadura. Igrejas e mosteiros foram saqueados e queimados. Em partes da Espanha, usar a batina equivalia a assinar sua própria sentença de morte. Era como se o monstro da Inquisição tivesse retornado do túmulo, a fim de engolir seus próprios progenitores.
Confrontada por esta ameaça, a igreja espanhola voltou-se mais uma vez para os poderes seculares — neste caso, o militar — para defender sua causa e restaurar a nação à ortodoxia católica. Mas, primeiro, a guerra civil tinha de ser santificada como uma “guerra santa”, uma “cruzada” em defesa do cristianismo.
O Cardeal Gomá, arcebispo de Toledo e primaz da Espanha, escreveu: “É a guerra na Espanha uma guerra civil? Não. É a luta dos sem Deus. . . contra a verdadeira Espanha, contra a religião católica.” Ele chamou o General Franco, o líder dos insurgentes, de “instrumento dos planos de Deus na Terra”. Outros bispos espanhóis expressaram sentimentos similares.
Naturalmente, a verdade não era tão simples assim. Muitos do lado republicano do conflito também eram católicos sinceros, especialmente na região basca, tradicionalmente um reduto católico. Assim, a guerra civil presenciou católicos lutando contra católicos — tudo pela causa do catolicismo espanhol, segundo a definição do conflito, feita pelos bispos.c
Quando as forças de Franco por fim dominaram as Províncias Bascas, elas executaram 14 sacerdotes e encarceraram muitos outros. Jacques Maritain, filósofo francês, escrevendo sobre as atrocidades cometidas contra os católicos bascos, comentou que “a Guerra Santa odeia os crentes que não servem a ela mais fervorosamente do que os descrentes”.
Após três anos de mútuas atrocidades e derramamento de sangue, terminou a guerra civil, com a vitória das forças de Franco. Morreram de 600.000 a 800.000 espanhóis, muitos deles devido às duras represálias das forças vitoriosas. d Impassível, o Cardeal Gomá asseverou, numa pastoral: “Ninguém pode negar que o poder que decidiu esta guerra foi o próprio Deus, sua religião, seus estatutos, sua lei, sua existência, e sua influência recorrente em nossa História.”
Desde a instalação da Inquisição, no século 15, até a Guerra Civil Espanhola (1936-39), com poucas exceções, a Igreja e o Estado andaram de braços dados. Sem dúvida, esta aliança profana serviu aos seus interesses mútuos. Todavia, cinco séculos de poder temporal — e os acompanhantes abusos — tinham seriamente minado a autoridade espiritual da igreja, como mostrará nosso próximo artigo.
[Nota(s) de rodapé]
a A última vítima foi um desafortunado mestre-escola enforcado em Valência, em 1826, por ter usado a frase “Louvado seja Deus”, em vez de a “Ave Maria”, nas orações escolares.
b Segundo um informe da igreja, feito pelo cônego Arboleya, em 1933, o operário considerava a igreja uma parte intrínseca da classe rica e privilegiada que o explorava. Arboleya explicou: “As massas fugiram da Igreja porque acreditavam ser ela seu maior adversário.”
c Alguns sacerdotes católicos realmente lutaram nos exércitos de Franco. O pároco de Zafra, Estremadura, destacou-se especialmente por sua brutalidade. Por outro lado, alguns sacerdotes protestaram heroicamente contra a morte de suspeitos de simpatizar com os republicanos — e, pelo menos um deles foi executado por este motivo. O governo de Franco obrigou o Cardeal Vidal y Barraquer, que tentou manter uma posição imparcial durante todo o conflito, a permanecer no exílio até sua morte, em 1943.
d É impossível obter os totais exatos, e os cálculos são aproximados.
[Quadro na página 8]
A Guerra Civil Espanhola — As Declarações dos Bispos
Logo depois do início da guerra civil (1936), o Cardeal Gomá descreveu o conflito como uma luta entre “a Espanha e a anti-Espanha, a religião e o ateísmo, a civilização cristã e a barbárie”. La Guerra de España. 1936-1939, página 261.
O bispo de Cartagena disse: “Benditos sejam os canhões, se o Evangelho floresce nas brechas abertas por eles.” La Guerra de España, 1936-1939, páginas 264-5.
Em 1.º de julho de 1937, os bispos espanhóis publicaram uma carta coletiva delineando a posição católica sobre a guerra civil. Entre outras coisas, ela declarava o seguinte:
“A igreja, apesar de seu espírito pacífico,. . . não poderia ficar indiferente à luta. . . . Na Espanha, não havia outro modo de reconquistar a justiça, a paz e os benefícios derivados delas, senão por meio do Movimento Nacional [as forças fascistas de Franco].”
“Cremos ser apropriado o nome de Movimento Nacional, primeiro, por causa de seu espírito, que reflete o modo de pensar da ampla maioria do povo espanhol, e é a única esperança de toda a nação.” Enciclopedia Espasa-Calpe, suplemento 1936-1939, páginas 1553-5.
Em outros países, os bispos católicos deram pronto apoio a seus colegas espanhóis. O Cardeal Verdier, arcebispo de Paris, descreveu a guerra civil como “uma luta entre a civilização cristã e. . . a civilização do ateísmo”, ao passo que o cardeal Faulhaber, da Alemanha, exortou todos os alemães a orar a favor dos que “defendem os direitos sagrados de Deus, para que Ele possa conceder a vitória aos que combatem [nesta] guerra santa”. Enciclopedia Espasa-Calpe, suplemento 1936-1939, páginas 1556-7.
[Foto na página 7]
Deste complexo de mosteiro-palácio de San Lorenzo del Escorial, Filipe II governou seu império, “no qual o sol jamais se punha”.
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A Igreja Católica na Espanha — qual a razão da crise?Despertai! — 1990 | 8 de março
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A Igreja Católica na Espanha — qual a razão da crise?
“Semeiam vento, colherão tempestade!” — Oséias 8:7, “A Bíblia de Jerusalém”.
EM 20 de maio de 1939, na igreja de Santa Bárbara, em Madri, o General Franco apresentou sua espada da vitória ao Cardeal Gomá, primaz da Espanha. O exército e a igreja celebraram juntos o triunfo que o papa descreveu como a “desejada vitória católica”. A guerra civil tinha terminado, e, pelo visto, raiava uma nova aurora do catolicismo espanhol.
A igreja triunfante recebeu generosos subsídios do Estado, o controle sobre a educação, e amplos poderes de censura sobre tudo que não promovesse o catolicismo nacional. Mas a bem-sucedida cruzada militar-religiosa também tinha semeado as sementes do declínio da igreja.
Aos olhos de muitos espanhóis, a igreja estava implicada nas atrocidades cometidas pelas forças vitoriosas. Na verdade, nos primeiros anos logo após a guerra, a maioria da população assistia à Missa. Para conseguir um emprego, ou uma promoção, era sábio ser um bom católico. Mas tinha a genuína fé sido promovida pelo poderio militar e pela pressão política?
Quarenta anos depois, uma série de crises iria responder a essa pergunta.
Crise de Fé: Em 1988, apenas 3 de cada 10 pessoas na Espanha eram católicos praticantes, e a maioria das pessoas se consideravam “menos religiosas do que há dez anos”. Uma pesquisa, feita para El Globo, um semanário espanhol, mostrava que, embora a maioria dos espanhóis cresse em Deus, menos da metade deles estavam convictos de que existe vida após a morte. O mais surpreendente de tudo foi verificar que até 10 por cento dos que se consideravam católicos praticantes disseram não acreditar num Deus pessoal.
Crise de Vocações: A Espanha costumava enviar sacerdotes para os quatro cantos do mundo. Trinta anos atrás, 9.000 eram ordenados todo o ano. Atualmente, esse total caiu para mil, e muitos grandes seminários estão desativados. Em resultado disso, a idade média dos sacerdotes espanhóis está aumentando — 16 por cento têm agora mais de 70 anos, enquanto que apenas 3 por cento têm menos de 30.
Crise de Fundos: A nova Constituição espanhola separa a Igreja do Estado. Antes, generosos subsídios do Estado eram automaticamente destinados à Igreja Católica. O atual governo introduziu um novo sistema pelo qual pequena porcentagem do imposto de renda de cada pessoa é alocada, quer à igreja, quer a alguma causa social digna, dependendo dos desejos do contribuinte. Surpreendentemente, apenas 1 de cada 3 contribuintes espanhóis preferiu que a igreja recebesse seu dinheiro. Isto foi um golpe para as autoridades católicas, que tinham calculado que quase o dobro desse número destinaria o “imposto religioso” à igreja. Isto significa que ainda está muito longe uma igreja que sustente a si mesma.
No ínterim, parece que o governo terá relutantemente de continuar subsidiando a igreja, num ritmo de US$ 120 milhões anuais. Nem todos os católicos estão contentes com essa situação. Um teólogo espanhol, Casiano Floristán, indicou que “uma igreja que não recebe suficientes contribuições dos fiéis, ou não tem os fiéis, ou não é uma igreja”.
Crise de Obediência: Esta crise atinge tanto os sacerdotes como os paroquianos. Os sacerdotes e os teólogos mais jovens muitas vezes estão preocupados com as questões sociais, em vez de com as religiosas. Suas tendências “progressistas” se chocam com a hierarquia conservadora espanhola, e também com o Vaticano. Típico é José Sánchez Luque, sacerdote de Málaga, que acha que “a Igreja não tem o monopólio da verdade” e que ela deve “orientar os cidadãos, mas sem dominação”.
Muitos são os católicos espanhóis que pensam de modo similar — apenas um terço dos católicos espanhóis geralmente concorda com o que o papa diz. E o episcopado espanhol é encarado ainda menos favoravelmente. Dentre os católicos entrevistados numa pesquisa recente, um quarto deles explicou que “pouco se importavam” com os bispos, ao passo que 18 por cento disseram que, de qualquer modo, eles não conseguiam entendê-los.
Uma “Segunda Evangelização”
Em face desta situação alarmante, os bispos espanhóis publicaram, em 1985, uma extraordinária série de confissões. Entre outras coisas, eles admitiram:
“Nós encobrimos, em vez de revelarmos
a verdadeira face de Deus.”
“Talvez tenhamos trancado
a Palavra de Deus.”
“Nem todos nós temos explicado
a mensagem integral de Jesus.”
“Temos confiado muito pouco em Deus e demasiado
nos poderes deste mundo.”a
Os bispos também admitiram que o país se tornava cada vez mais secularizado, ou indiferente para com a religião. Recomendaram uma “segunda evangelização” da Espanha. Poucos, contudo, acataram à convocação deles. Duas senhoras católicas que foram de casa em casa tiveram uma surpresa. Elas gastaram mais tempo explicando aos moradores que elas não eram Testemunhas de Jeová do que transmitindo sua mensagem católica.
Isto não deveria ser surpresa, pois as Testemunhas de Jeová gastaram mais de 18 milhões de horas, ano passado, visitando as casas do povo na Espanha, numa genuína evangelização nacional. Todas as Testemunhas — como os cristãos do primeiro século — sentem que têm a obrigação de ‘fazer o trabalho de um evangelista’. (2 Timóteo 4:5. BJ) E, embora possam encontrar generalizada apatia para com a igreja, o evangelho, ou boas novas a respeito do Reino de Deus, que elas transmitem, deveras encontram muitos ouvidos receptivos.
Um senhor idoso que encontraram chamava-se Benito. Quando irrompeu a guerra civil, ele se encontrava na área controlada pelos insurgentes militares. Foi obrigado a alistar-se como soldado, mas, em seu coração, ele achava ser errado pegar em armas. Recusou-se a aceitar que se tratava duma “guerra santa”. Em vez de matar o próximo, ele deliberadamente deu um tiro na mão, de modo que não mais pudesse puxar o gatilho.
Quarenta anos depois, ele e a esposa começaram a estudar a Bíblia com as Testemunhas de Jeová. Benito ficou felicíssimo de aprender que Deus mesmo insta com seu povo a ‘transformar as espadas em relhas de arado’, assim como sua consciência o instara a fazer muitos anos antes. (Isaías 2:4) Apesar de ter saúde cada vez mais debilitada, não demorou muito para que ele também começasse a fazer o trabalho dum evangelista.
“Uma Linda Bolha de Sabão”
Glória era uma católica que se havia resignado a adorar a Deus de seu próprio modo. Durante anos, ela devotara a vida à igreja, como freira missionária na Venezuela. Mas ficara desiludida por não ter podido obter respostas para suas perguntas sobre algumas doutrinas da igreja, tais como a Imaculada Conceição de Maria, o purgatório e a Trindade.
Quando procurava explicações, sempre lhe diziam que aquilo era um mistério. ‘Por que Deus torna as coisas tão difíceis de entender?’, perguntava a si mesma. Certa ocasião, ela foi avisada de que, se tivesse vivido na época da Inquisição, teria sido queimada viva. ‘E isso provavelmente é verdade’, refletia.
Devido a tais repreensões, ela se mostrou céptica quando as Testemunhas de Jeová visitaram sua casa. Mas quando compreendeu que tudo que elas ensinavam era confirmado pelas Escrituras, e que ela, por fim, podia compreender a mensagem de Deus para a humanidade, ficou contentíssima. Ela agora devota grande parte de seu tempo à pregação das boas novas do Reino de Deus.
“Atualmente, quando penso em todas as cerimônias religiosas da Igreja Católica”, diz Glória, “eu as comparo a uma linda bolha de sabão, reluzindo com muitas cores, mas vazia — se tentar explorá-la mais a fundo, ela simplesmente desaparece”.
Benito, Glória e milhares de Testemunhas de Jeová como eles, na Espanha, encontraram verdadeiro refrigério espiritual por se voltarem para as águas cristalinas da verdade contidas nas Escrituras Sagradas. Tal refrigério não existia naquela venerável instituição ibérica — a igreja espanhola — tão rica em tradição, mas tão pobre em conteúdo espiritual, tão poderosa durante séculos, mas agora tão desvalida para eliminar a apatia de seu decrescente rebanho.
Jesus Cristo certa vez disse, referindo-se à necessidade de identificar e evitar os erros religiosos: “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes. Pelos seus frutos os conhecereis. . . . É pelos seus frutos, portanto, que os reconhecereis.” — Mateus 7:15-20; BJ.
Deixamos que o leitor julgue, por si mesmo, os frutos do catolicismo espanhol.
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