Malaui
BEM-VINDO ao coração da África, o caloroso Malaui! Com clima agradável e povo amistoso, Malaui é, de fato, um país caloroso e cativante. Especialmente cativantes para muitos são as animadoras verdades encontradas na Bíblia, pregadas pelas mais de 40.000 Testemunhas do Deus Jeová.
Não muito tempo atrás, porém, esses humildes servos de Deus enfrentaram muitas tribulações. Em vez de serem tratados com bondade por seus semelhantes, foram vítimas de intensa perseguição, de horrores que fazem lembrar os pogroms contra os judeus e a Inquisição na Idade Média. A história dos maus-tratos que sofreram e de como perseveraram constitui um notável exemplo de integridade em tempos de adversidade. Mas, antes de contarmos essa história, conheça um pouco do país em si.
Como são o país e o povo
Embora seja bem pequeno, Malaui ostenta uma bela variedade de montanhas, rios e lagos. Particularmente impressionante é o monte Mulanje, no sul do país. Cercado de verdejantes plantações de chá no sopé, ergue-se imponente a 3.002 metros acima do nível do mar, sendo a maior montanha desta parte da África. Mas provavelmente a atração mais conhecida do país é o lago Malaui, de 580 quilômetros de comprimento. O famoso explorador David Livingstone o chamou de “lago das estrelas” por causa da forma que a luz do sol cintila em sua superfície. Nele existem centenas de espécies de peixe — dizem que mais do que em qualquer outro lago de água doce do mundo.
O jeito amistoso dos 11 milhões de habitantes de Malaui faz você se sentir bem-vindo. Eles exibem sorrisos largos, calorosos, e são muito prestativos. O amor à Palavra de Deus também é evidente. A Bíblia já está disponível há cerca de cem anos em chicheva, iao e tumbuca, as línguas mais faladas em Malaui. Quase toda família possui pelo menos uma, e muitos a lêem regularmente. A maioria dos malauianos são pobres em sentido material, mas por aceitarem a ajuda oferecida pelas Testemunhas de Jeová, alguns encontraram uma grande riqueza espiritual nas páginas da Bíblia.
A pregação das Testemunhas de Jeová em Malaui remonta ao começo do século. Iniciou-se de uma forma bastante dramática.
‘Como um incêndio descontrolado alastrando-se num pasto’
Nossa história começa com Joseph Booth, um sujeito interessante, mas controversial. Tomado de entusiasmo depois de ler algumas publicações da Sociedade Torre de Vigia, conheceu C. T. Russell em 1906. Ele convenceu o irmão Russell de que a Sociedade Torre de Vigia precisava de um representante no sul da África. Como Joseph Booth já havia trabalhado em Malaui, ou Niassalândia, como o país então se chamava, parecia que ele poderia prestar serviços valiosos. O que o irmão Russell desconhecia, porém, era a má reputação desse homem nesta parte do mundo. Ele ficou conhecido pelo que um escritor mais tarde chamou de “caronista de religião”, usando uma denominação da cristandade após outra para tentar alcançar seus próprios objetivos. Por causa disso, Booth era bastante impopular entre as autoridades do país e nem sequer era mais bem-vindo em Malaui. Mais uma vez, porém, esse experiente “caronista” conseguiu uma carona!
Ciente de que não podia ir direto para Malaui, Booth estabeleceu primeiro uma base na África do Sul. Ali, ele se encontrou com Elliott Kamwana, um velho conhecido de Malaui. Pouco tempo depois, Booth aconselhou esse jovem a voltar para casa. Ao chegar, em 1908, Elliott Kamwana começou uma campanha de pregação pública, baseando sua mensagem numa livre interpretação de algumas das publicações da Sociedade Torre de Vigia. McCoffie Nguluh, ancião que morreu fiel há alguns anos, teve seu primeiro contato com a verdade nessa época. Ele descreveu a pregação de Kamwana como um “incêndio descontrolado alastrando-se num pasto”. Os efeitos da pregação de Kamwana, com batismos dramáticos ao ar livre, realmente se espalharam rápido por Malaui, como um incêndio num matagal. Milhares aceitaram sua pregação, e muitas “congregações” foram abertas.
Contudo, nem Booth nem Kamwana haviam saído de “Babilônia, a Grande”. (Rev. 17:5; 18:4) Seus verdadeiros objetivos tinham motivações políticas. Não demorou muito para os suspeitos métodos de pregação de Elliott Kamwana atraírem a atenção desfavorável das autoridades. Ele logo foi deportado para as Seychelles. Em 1910, Joseph Booth já havia se mudado para outro lugar e não tinha mais qualquer vínculo com a Sociedade Torre de Vigia. Infelizmente, esses dois homens mais prejudicaram a obra do que ajudaram; mas, houve um lado positivo: muitas publicações com verdades bíblicas foram distribuídas em todo o país. Nos anos que se seguiriam, pessoas sinceras como McCoffie Nguluh reagiriam com apreço ao que leram.
“Movimentos Torre de Vigia” causam confusão
Depois deste começo insatisfatório, a Sociedade enviou a Malaui William Johnston, um irmão muito capaz, de Glasgow, Escócia, para investigar a situação. Ele descobriu que muitas “congregações” haviam sido abertas, mas seu entendimento da verdade bíblica era fraco. Havia, no entanto, algumas pessoas que realmente queriam aprender a verdade. Dentre elas, o irmão Johnston treinou alguns homens para tomar a dianteira, antes de ir para a África do Sul. Daí, passou-se um longo tempo antes de a obra em Malaui receber atenção novamente. No ínterim, desenvolveu-se uma terrível confusão que causou problemas para os Estudantes da Bíblia, como as Testemunhas de Jeová eram então conhecidas, e provou sua integridade.
Imitando o estilo carismático de Elliott Kamwana, surgiram muitos movimentos que misturavam algumas verdades bíblicas com doutrinas falsas e práticas antibíblicas. Por usarem até certo ponto as publicações da Torre de Vigia, esses movimentos muitas vezes incorporavam o nome Torre de Vigia ao seu nome. Isso causou problemas para os poucos irmãos genuínos no país. Sem supervisão adequada e o necessário alimento espiritual, é de surpreender que a atividade desses irmãos não tenha cessado por completo. Eles continuaram a se reunir e a dar testemunho a outros, e procuravam andar nas pisadas de Jesus Cristo. — 1 Ped. 2:21.
Aproveitando-se da situação, os clérigos do país caluniavam os Estudantes da Bíblia, ligando-os falsamente aos movimentos que desonestamente adotaram o nome Torre de Vigia. Com o tempo, porém, a diferença entre as seitas nativas e os nossos irmãos ficou clara. Devido aos relatórios perturbadores de clérigos da cristandade, o comissário de polícia resolveu fazer uma investigação no início dos anos 20. Disfarçado, assistiu pessoalmente a várias reuniões dos Estudantes da Bíblia. Sua reação? Repugnância pelas mentiras maliciosas em circulação a respeito deles. No entanto, a confusão causada pelos falsos “movimentos da Torre de Vigia” perdurou por muitos anos.
Organização da obra
Em 1925, a Sociedade voltou a dar atenção a Malaui. John Hudson passou um ano e três meses no país, discursando nas congregações. Ele procurou ajudar os irmãos a entender a importância de manter-se em contato com a Sociedade Torre de Vigia, o instrumento usado pelo “escravo fiel e discreto”, e de aceitar sua liderança e direção. — Mat. 24:45-47.
Gresham Kwazizirah, de Ntcheu, foi um dos que se beneficiou da visita do irmão Hudson a Malaui. No mesmo ano em que o irmão Hudson foi para Malaui, Gresham foi batizado. Logo de início, ele teve de enfrentar uma séria prova. Às instigações de clérigos de sua anterior igreja, foi acusado de propagar ensinos subversivos e acabou sendo preso. O que faria? Renunciaria a sua fé por medo? Depois de um mês, após uma investigação levada a cabo pelas autoridades da província, o irmão Kwazizirah foi inocentado das acusações e solto. Muito mais importante, porém, é que ele estava determinado a ser leal a Jeová e à sua organização. Jeová podia usar pessoas que manifestavam esse espírito. Depois de trabalhar por algum tempo em Moçambique, o próprio irmão Kwazizirah desfrutou de muitos privilégios ao participar na divulgação da mensagem do Reino e edificar as congregações de Malaui. — Veja A Sentinela de 1.º de junho de 1973.
A visita do irmão Hudson foi um grande estímulo também para McCoffie Nguluh e Junior Phiri. Mais tarde, esses dois irmãos mudaram-se para a África do Sul, onde ambos serviram a Jeová fielmente por muitos anos. Richard Kalinde também se beneficiou da associação com John Hudson. Antes de partir, o irmão Hudson providenciou que Richard Kalinde supervisionasse a pregação das boas novas até que chegasse mais ajuda.
Contudo, nem todos ficaram felizes com a visita do irmão Hudson. O irmão Nguluh descreveu a reação desses: “Não vamos ser ensinados por homens da Cidade do Cabo”, disseram. “Vamos fazer o que nós achamos certo.” Não dispostos a aceitar a direção da Sociedade, fundaram seus próprios “movimentos Torre de Vigia”. Em contrapartida, os que realmente queriam aprender a verdade mostraram uma atitude mais humilde. Mantiveram-se em contato com o escritório da Sociedade na África do Sul e mostraram apreço pelas instruções e orientações fornecidas por esse canal. Logo ficou patente para a filial que esse pequeno núcleo de pessoas sinceramente interessadas precisava de mais ajuda.
Um representante permanente no país
Em 1933, ocorreu algo emocionante na história das Testemunhas de Jeová em Malaui. Foi feita uma petição para que a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados tivesse um representante permanente no país. O governador disse que “acolheria com prazer essa providência” e aprovou o pedido. Finalmente se poderiam tomar medidas para que a pregação das boas novas em Malaui fosse realizada de modo mais coerente. Concordemente, sob a direção da filial da África do Sul, foi aberto um depósito de publicações e um escritório, em maio de 1934, com Bert McLuckie supervisionando a obra.
Batizado em 1930, o irmão McLuckie ainda era relativamente novo na verdade. No entanto, já se revelara um pioneiro muito eficiente nas suas designações anteriores, em Madagascar e Maurício. Ao chegar a Malaui, arranjou um pequeno local de dois cômodos na capital, Zomba, que fica no sul do país. Um cômodo era usado como depósito de publicações e escritório; o outro, como dormitório. O irmão McLuckie, na época solteiro, referiu-se a essa nova designação como solitária, “uma que trazia mais responsabilidade do que nunca”.
De grande ajuda para ele foi Richard Kalinde, que se tornou um companheiro achegado. Inicialmente, a principal tarefa de McLuckie era desfazer a confusão que prejudicava os irmãos, causada pelos falsos “movimentos da Torre de Vigia”. Isso acabou não sendo tão difícil como se imaginava. A maioria das autoridades reconhecia que as seitas nativas nada tinham que ver com a verdadeira Sociedade Torre de Vigia. Além disso, o escritório da África do Sul dera a Bert McLuckie diretrizes claras sobre como resolver a situação. Seguindo-as, ele visitou cada grupo de Malaui, com o irmão Kalinde como seu intérprete. Essas visitas às congregações ajudaram muitos a deixar de apoiar os falsos “movimentos Torre de Vigia” e seus líderes.
A bênção de Jeová era evidente. Enfim, começava a surgir uma sólida organização teocrática. Pela primeira vez, foram entregues relatórios de serviço de campo. Em 1934, os relatórios mostravam uma média de 28 publicadores no país.
Novo irmão no depósito de Zomba
Após trabalhar em Malaui por cerca de um ano, Bert McLuckie foi convidado a voltar para a África do Sul. Depois disso, ele serviu lealmente a Jeová em outras partes do sul da África por mais de 60 anos, até morrer, em 1995. Outro membro da família McLuckie, seu irmão, Bill, o substituiu em Malaui.
Bill McLuckie fora pioneiro na África do Sul, embora ainda não fosse batizado. George Phillips, o servo de filial da África do Sul, perguntou a Bill se ele aceitaria uma nova designação, em Malaui. Quando aceitou, foi-lhe dito: “Naturalmente, antes você terá de ser batizado.” Bill se batizou e chegou ao depósito de Zomba em março de 1935. Ele tinha 26 anos. Esse fiel irmão provou sua integridade em Malaui debaixo de muitas adversidades até a sua deportação, em 1972.
Como eram as coisas naquele tempo? Com 89 anos em 1998 e morando com a família na África do Sul, Bill McLuckie ainda se lembra de como o depósito de Zomba era apertado. Ele disse: “De largura, o quarto não era maior do que uma lareira [1,4 metro]. O lugar era muito abafado, e eu deixava as janelas abertas de noite, até que um policial enfiou a cabeça pela janela certa noite e disse: ‘Buana [Senhor], é melhor fechar as janelas. Leopardos passeiam nessas ruas à noite.’ Eu fechei-as.”
Apesar dos desconfortos, a localização do depósito na capital mostrou-se providencial. Estando perto das autoridades e da sede da polícia, o irmão McLuckie podia desmentir rapidamente quaisquer acusações contra a Sociedade, resultantes de as Testemunhas de Jeová serem sempre confundidas com os falsos “movimentos Torre de Vigia”. Assim como seu irmão havia feito antes dele, Bill McLuckie trabalhou pacientemente com as autoridades para desfazer quaisquer mal-entendidos. As Testemunhas de Jeová passaram a gozar de uma boa reputação.
Limpeza na organização
Bill McLuckie trabalhou duro para incutir nos irmãos apreço pelas normas de Jeová, especificadas na Bíblia. Isso incluiu ajudá-los a entender que práticas antibíblicas como a imoralidade sexual, o espiritismo e o alcoolismo não podiam ter lugar na vida das Testemunhas de Jeová. (1 Cor. 6:9, 10; Rev. 22:15) De valor inestimável nesse serviço foi Gresham Kwazizirah. Ele serviu às congregações por muito tempo como viajante, especialmente no norte do país. O irmão McLuckie o descreveu como homem “maduro e honesto”. O irmão Kwazizirah ficou conhecido por sempre defender lealmente as normas justas da Bíblia. Toda vez que encontrava alguém que praticava imoralidade sexual e ao mesmo tempo afirmava servir a Jeová, o irmão Kwazizirah corajosamente o confrontava. Se a pessoa admitia sua conduta anticristã, ele tirava suas publicações, dizendo que ela não era Testemunha de Jeová de verdade. Ele também a impedia de continuar trabalhando no serviço de campo. Muitos limparam suas vidas graças a essa ação firme. Foi o irmão Kwazizirah que, com tristeza, informou que Richard Kalinde passara a praticar coisas incompatíveis com o modo de vida cristão. Por conseguinte, este irmão anteriormente zeloso não pôde mais ser usado para representar a organização pura de Jeová.
Por causa dessa posição firme a favor das normas de moral da Bíblia, as Testemunhas de Jeová passaram a ser conhecidas por sua integridade. Diversas vezes, isso lhes serviu de proteção.
A bênção de Jeová sobre a organização, agora limpa, tornou-se evidente no aumento dos que o louvavam ativamente. Em 1943, a média mensal de publicadores foi de 2.464, associados em 144 congregações — um excelente aumento em relação a dez anos antes, quando havia apenas 28 publicadores!
Acordando Malaui
Durante 1944, a expressão “o Novo Mundo”, usada com freqüência nas publicações da Torre de Vigia, fez sucesso entre a população de Malaui. Conforme explicado nas publicações, ela se referia ao novo sistema de coisas de Jeová — uma nova sociedade humana administrada pelo Reino celestial de Deus, às mãos de Jesus Cristo. (Dan. 7:13, 14; 2 Ped. 3:13) Com base na Bíblia, as publicações explicavam que, no novo mundo, a Terra se transformará num paraíso; os humanos viverão em paz com os animais; as guerras cessarão; todos usufruirão fartura; a doença e a morte deixarão de existir; até mesmo os mortos serão ressuscitados e terão a oportunidade de viver para sempre. — Sal. 67:5, 6; Isa. 2:4; 11:6-9; Luc. 23:43; João 5:28, 29; Rev. 21:3, 4.
Ao discursar sobre esse assunto, um irmão o explicou dando-lhe um toque local: “Quando Adão pecou, não lhe nasceu nenhum filho no jardim; todos nasceram no ‘mato’, e, meus amigos, ainda estamos no ‘mato’. Ainda não retornamos ao jardim. Mas, aproxima-se o tempo em que deixaremos este mundo de matekenya (carrapatos) para entrar no novo mundo plenamente estabelecido de Jeová.”
Os discursos sobre o novo mundo de Deus causaram tanto impacto que, em certa parte do país, uma multidão de interessados seguia os irmãos de um lado para outro, ávida de ouvir as promessas bíblicas sobre o Paraíso. Em certa região, depois de escutarem um discurso sobre o novo mundo, alguns clérigos foram em massa até um missionário europeu e lhe disseram: “Por que vocês esconderam de nós essas coisas? Vemos crianças visitando as pessoas e lhes dizendo as coisas mais maravilhosas que elas já ouviram! E vocês nos deram doutrinas para pregar que agora se revelam falsas!”
Em 1946, o número de publicadores do Reino em Malaui ultrapassou a marca dos 3.000, e os irmãos realmente estavam acordando o país.
Nem todos, é claro, ficaram felizes com a mensagem do novo mundo de Deus. Algum tempo antes, o governo proibira a importação das publicações da Torre de Vigia, que falavam sobre o novo mundo. Isso não adiantou muito, porém, porque já havia no país um bom estoque de publicações. Então, no esforço de atenuar o impacto da obra das Testemunhas de Jeová, alguns clérigos tentavam imitar as expressões e os métodos das Testemunhas. “Nós também estamos pregando o novo mundo”, afirmavam. Alguns até tentaram revisitar membros de suas igrejas, mas, em poucas semanas, desistiram.
Os clérigos também procuravam persuadir os cabeças das aldeias a proibir as Testemunhas de Jeová de pregar nas suas áreas.a Era costume pedir a permissão do cabeça para fazer discursos numa aldeia. Mas se o cabeça fosse influenciado pelos líderes religiosos, nenhuma reunião pública podia ser realizada na aldeia.
No entanto, muitos chefes de aldeia tinham prazer em receber as Testemunhas de Jeová. Os irmãos recebiam convites freqüentes para fazer discursos. O chefe duma aldeia ouviu um desses discursos numa cidadezinha chamada Lizulu, onde aprendeu sobre a condição dos mortos. (Ecl. 9:5; Eze. 18:4) Pouco tempo depois, ele compareceu a um serviço fúnebre de uma criança, dirigido por alguns clérigos, onde disseram aos presentes que a criança “é agora um anjo no céu”. O chefe, um senhor idoso, resmungou, pôs-se de pé, rígido, virou-se para o cabeça de sua aldeia e pediu um pouco de rapé. Então, aspirando o rapé com força, saiu do funeral, dizendo: “Huh! Em Lizulu aprendemos onde os mortos estão. Isso tudo é mentira!”
Uma visita especial
Um evento muito especial ocorreu em janeiro de 1948, quando N. H. Knorr e M. G. Henschel, da sede da Sociedade em Brooklyn, Nova York, visitaram Malaui. Essa foi a primeira visita de irmãos da sede mundial. Marcou-se uma reunião na prefeitura de Blantyre para os europeus e indianos que moravam na cidade. Levando-se em conta que só havia 250 europeus morando em Blantyre naquela época, a assistência de 40 pessoas ao discurso público foi animadora. No dia seguinte, os irmãos visitantes assistiram a uma assembléia ao ar livre, realizada para os irmãos africanos. Bill McLuckie, que então falava chicheva fluentemente, serviu de intérprete. No discurso público daquela tarde, havia 6.000 pessoas na assistência. Sem sistema sonoro, os oradores tinham de falar bem alto para todos ouvirem. Em dado momento, uma chuva forte interrompeu o discurso, e o público começou a se dispersar, procurando abrigo nas árvores e nas casas vizinhas. Mas as Testemunhas permaneceram, e o irmão Knorr prosseguiu com seu discurso até o fim, segurando um guarda-chuva. O simples fato de que este mzungu (branco) ficou na chuva para terminar seu discurso para uma assistência africana mostrou ao público que as Testemunhas de Jeová estavam realmente interessadas em seu bem-estar, porque os europeus que moravam no país nunca teriam feito isso.
A visita dos irmãos Knorr e Henschel deu um tremendo impulso à obra. Naquele ano, 1948, o número de publicadores ultrapassou a marca dos 5.600, e novos publicadores juntavam-se às fileiras com rapidez. Em alguns lugares, era difícil encontrar suficiente território para dar testemunho!
A filial começa a operar
No ínterim, a Sociedade mudou a localização de seu depósito, em Zomba, para Blantyre, centro comercial do país, situado mais ao sul. Em 1.º de setembro de 1948, depois de ter estado por muitos anos sob a supervisão da filial da África do Sul, abriu-se uma filial em Malaui para coordenar a obra das Testemunhas de Jeová no país, tendo Bill McLuckie como primeiro servo de filial. As necessidades do campo em Malaui podiam então ser cuidadas diretamente, sob a supervisão da sede mundial.
Nessa época já havia vários irmãos maduros e experientes que podiam servir no circuito, para visitar as congregações e fortalecer os irmãos. As assembléias de circuito eram realizadas duas vezes por ano, e Gresham Kwazizirah era o servo do único distrito do país. Na filial, Bill McLuckie também tinha muito que fazer — muitas vezes trabalhando até de madrugada na sua máquina de escrever.
Ainda havia muito a fazer, e necessitava-se de mais ajuda. Assim, Peter Bridle e Fred Smedley, formados na escola de Gileade para missionários, receberam uma calorosa acolhida ao chegarem em 1949. Esses e outros missionários formados em Gileade deram uma ajuda muito necessária ao atarefado servo de filial. Agora era possível dar mais atenção a como as congregações e assembléias estavam operando.
“Não vou conseguir!”
Viver em Malaui, especialmente naquele tempo, podia ser uma mudança chocante para os que vinham da Europa ou da América do Norte. Não havia nenhum dos confortos modernos aos quais a pessoa talvez estivesse acostumada. Não existiam eletrodomésticos no mato. O que os nativos encaravam como parte normal da vida podia ser um martírio para um estrangeiro. Como é que os novos missionários conseguiam se adaptar?
Lembrando-se de suas primeiras impressões ao chegar a Malaui depois de uma cansativa viagem de trem, partindo do porto de Beira, em Moçambique, Peter Bridle diz: “Quando finalmente chegamos a Shire River, estava começando a escurecer. Besouros enormes voavam por toda a parte. Eles se amontoavam em volta das lâmpadas e as tapavam completamente. Andavam no pescoço da gente, entrando e saindo da roupa. Eu disse a Jeová: ‘Não vou agüentar isso. Vai ser demais para mim. Não vou conseguir!’ Então atravessamos o rio e entramos no trem, que estava na estação. Suas luzes estavam bem fraquinhas, quase apagadas. Logo percebi por quê — era para impedir os insetos de entrar. A refeição foi servida, com sopa de entrada. Mal conseguíamos enxergar a pessoa no outro lado da mesa, com as luzes tão fracas. Tomamos a sopa sugando-a por entre os dentes para não engolir nenhum inseto, e eu disse a Jeová: ‘Por favor, acho que isso é demais para mim desta vez. Não vou conseguir!’ ”
Mais tarde, em outra viagem à mesma região, o irmão Bridle teve problemas ao proferir um discurso público. Por quê? Ele explica: “A quantidade de mosquitos era inacreditável. Num discurso, certa noitinha, minhas calças estavam enfiadas nas meias. Eu tinha uma toalha na cabeça, que também havia enfiado por dentro da camisa. Tinha elásticos nos pulsos, de modo que só apareciam as minhas mãos e o rosto. Fiz o discurso usando um intérprete. Eu dizia uma sentença e daí esfregava o rosto e as mãos, e depois o rosto de novo, para espantar os mosquitos. Assim que o intérprete terminava de traduzir, eu dizia outra sentença e tudo começava de novo.”
Apesar dessas situações, Peter Bridle e outros como ele conseguiram sim, com a ajuda de Jeová, permanecer em sua designação. A maioria dos missionários designados para Malaui serviu fielmente por muitos anos. Seus esforços dedicados resultaram em muitas bênçãos para o campo malauiano.
Mais irmãos nativos maduros
Nesse meio tempo, mais irmãos nativos alcançavam a madureza cristã. Esses irmãos também se beneficiaram da associação com os missionários. Um deles foi Alexander Mafambana — mais conhecido como Alex. Era um homem muito capaz. Nascido em Moçambique, era filho de chefe de aldeia e devia suceder o pai nesse cargo. Mas, depois de se mudar para a África do Sul em busca de trabalho, Alex entrou em contato com as Testemunhas de Jeová e aprendeu a verdade bíblica. Chegou à conclusão de que, para fazer o que se esperava de um chefe, teria de transigir em princípios bíblicos. A fim de evitar problemas, decidiu estabelecer-se em Malaui. Pouco depois, o irmão Mafambana tornou-se pioneiro, e em 1952 começou a ajudar na filial em Blantyre. Por saber várias línguas, ele foi especialmente útil no processamento das cartas vindas do campo. Em 1958/59, teve a oportunidade de cursar a escola de Gileade para missionários, formando-se na turma de Jack e Linda Johansson, que também foram designados a Malaui.
Outro irmão que aprendeu a verdade na África do Sul foi Kenneth Chimbaza. Depois de seu batismo ali, em 1942, ele regressou a Malaui. Não demorou para o irmão Chimbaza dar evidência de que estava desenvolvendo as qualidades de um cristão maduro. Depois de trabalhar como pioneiro por algum tempo, foi superintendente viajante numa extensa região. Alguns dos missionários que chegaram mais tarde gostavam de trabalhar com o irmão Chimbaza e sua esposa, Elisi, e seu filhinho, Maimba. Dessa maneira, familiarizavam-se com o modo de vida em Malaui.
Esses irmãos maduros certamente se mostraram preciosas “dádivas em homens”. — Efé. 4:8.
Missionários contribuem para o crescimento
Os missionários que serviram fielmente em Malaui ainda são lembrados com carinho, especialmente pelos irmãos veteranos que tiveram a oportunidade de trabalhar junto com eles naqueles dias. Alguns desses missionários descobriram que sua nova designação exigia grandes mudanças na vida, mas o amor os motivou a fazê-las.
Malcolm Vigo chegou solteiro em 1957. Depois do jantar, na sua primeira noite na filial, estava ansioso de saber qual seria a sua designação. O servo da filial, Lonnie Nail, missionário formado em Gileade que chegara no ano anterior, informou-o de que ele iria servir como ministro viajante. Após receber um curso do idioma ou depois de um período de orientação? Não, não existiam essas provisões naquele tempo. Ele ia iniciar no dia seguinte!
Os missionários designados para o serviço de viajante aprenderam em pouco tempo que, além de servirem às congregações, caso fizessem as visitas de carro, tinham de ser mecânicos. Também descobriram que a maioria das estradas não passavam de trilhas indistintas no meio do mato. Naturalmente, os irmãos nativos apreciavam seus esforços e faziam tudo ao seu alcance para facilitar-lhes a vida. Em geral, construíam uma choupana e um banheiro com teto de palha para o missionário e para sua esposa, se fosse casado. Aliás, para as irmãs que viajavam com o marido, os sinistros sons da noite podiam ser muito assustadores! Necessitavam de algum tempo para se acostumar com a “risada” medonha das hienas e com a “orquestra” de ruídos de uma grande variedade de insetos.
Jack Johansson recorda-se do desafio de organizar um congresso no mato. Primeiro, abria-se um clareira, e então, na maioria dos casos, tudo era construído com materiais encontrados ali mesmo, no mato. Mas irmãos e irmãs, jovens e idosos, ficavam felizes de ajudar. No local de um congresso, perto de Mulanje, um irmão idoso, com uma expressão feliz no rosto, aproximou-se do irmão Johansson, dizendo: “Eu também quero ajudar.” Até aí, nada de incomum. Mas, depois, o irmão Johansson ficou sabendo que o irmão caminhara quase um mês, cerca de 800 quilômetros, até o local do congresso, e a primeira coisa que fez ao chegar foi oferecer-se para ajudar na montagem do congresso! Com tamanho espírito voluntário, os irmãos e as irmãs transformaram o mato num “estádio” com lugares para 6.000 pessoas!
Os missionários contribuíram para uma melhor organização das congregações e dos circuitos em Malaui. Irmãos como Hal Bentley, Eddie Dobart, Keith Eaton, Harold Guy, Jack Johansson, Rod Sharp e Malcolm Vigo fizeram um bom trabalho como superintendentes de distrito. As Testemunhas nativas souberam corresponder aos conselhos e orientações amorosos que receberam. Em resultado, as reuniões congregacionais e a pregação da mensagem do Reino ficaram mais organizadas. Naquele tempo, os irmãos estavam sendo estabilizados na verdade, em preparação para as adversidades que haviam de vir.
Europeus recebem testemunho
Com o tempo, alguns missionários foram designados para trabalhar na filial, e ali também se mantinham bastante atarefados. Isso deu a algumas das missionárias casadas a oportunidade de testemunhar na parte européia do campo em Blantyre e Zomba. Phyllis Bridle, Linda Johansson, Linda Louise Vigo, Anne Eaton e outras irmãs fizeram um excelente serviço nesse território. Às vezes, os europeus tinham preconceito contra nossa obra, geralmente por nos confundirem com os “movimentos Torre de Vigia”. Mas as irmãs aproveitaram bem as oportunidades para esclarecer as coisas e falar-lhes a respeito do Reino de Deus.
A maioria dos europeus e dos asiáticos em Malaui tinha seu próprio negócio ou bons contratos de trabalho. Em geral, estavam satisfeitos com sua sorte na vida. No entanto, alguns europeus e alguns malauianos que falavam inglês aceitaram a verdade e foram batizados — um deles numa banheira de Betel!
“Um intercâmbio de encorajamento”
À medida que os missionários passavam tempo na companhia dos irmãos nativos, foi-se desenvolvendo uma genuína harmonia racial entre eles. Isso foi bem expresso num bilhete escrito por Alex Mafambana a alguns amigos que eram missionários: “Se há uma ‘brecha’ no mundo, é entre o Oriente e o Ocidente. Quanto a nós, possuímos o maior vínculo de união já criado: Agape!” Como isso era diferente da atitude das pessoas de fora da organização de Jeová! Os europeus geralmente se consideravam superiores aos africanos e mantinham pouco contato com eles. Entretanto, havia uma coisa que precisava ser esclarecida. Era o uso do título buana. O título era usado pelos nativos para saudar os europeus, inclusive os missionários. Subentendia que os europeus eram os senhores, ou amos, dos africanos. Assim, sempre que um irmão nativo se dirigia a um missionário usando o título buana, o missionário o lembrava: “As Testemunhas de Jeová são irmãos, não buanas!”
Os benefícios não eram unilaterais. Os missionários aprenderam muito trabalhando com os irmãos africanos. Muitas amizades sólidas foram estabelecidas. Conforme as palavras do apóstolo Paulo, houve “um intercâmbio de encorajamento”. — Rom 1:12.
Louvor a Jeová com cânticos
Qualquer um que passe algum tempo na África logo descobre que o povo gosta muito de cantar. Faz isso sem acompanhamento, usando apenas a voz, e em bela harmonia. Malaui não é exceção. Quando ainda não existiam cancioneiros em chicheva, os irmãos compunham seus próprios cânticos. Aproveitando as melodias dos hinos populares da cristandade, modificavam a letra para cantar sobre o Reino, o ministério, o Armagedom e outros temas. Embora não tivessem esses cânticos por escrito, todos os irmãos os conheciam e os cantavam de uma forma muito bonita. Nas assembléias, nos momentos de grande emoção, era comum cantarem o refrão após cada verso não apenas uma, mas duas vezes! Quando visitou o país em 1953, o irmão Knorr ficou muito comovido com esse belo arranjo harmônico. Em seu relatório, ele disse: “Não se pode deixar de mencionar que a maneira de os irmãos cantarem era excepcionalmente bela.”
Quando o novo cancioneiro da Sociedade, Cânticos em Louvor a Jeová, chegou à filial em 1950, decidiu-se vertê-lo para o chicheva. Mas como ensinar os irmãos a ler música? Sabiam cantar, mas não estavam acostumados a ler partituras. A filial decidiu usar o sistema tônico solfa, que usa o método “dó, ré, mi” para indicar as notas musicais. Alguns dos irmãos o haviam aprendido na escola. Peter Bridle, que trabalhou duro nesse projeto, lembra-se do que estava envolvido. Ele diz: “Sentamos com os tradutores e pusemos mãos à obra. Tínhamos de ter certeza de que as palavras traduzidas se encaixavam bem na música. Assim, pouco a pouco, produzimos o cancioneiro.”
A edição em chicheva de Cânticos em Louvor a Jeová se tornou muito popular entre os irmãos. A filial a imprimia num velho mimeógrafo, usando qualquer papel que conseguisse. Em resultado, aqueles primeiros cancioneiros não eram muito resistentes e precisavam ser trocados com freqüência. Mas os irmãos não se importavam. Sentiam-se felizes de ter os cânticos para cantar. Obtinham de dois a três mil exemplares em cada assembléia! Por fim, Brooklyn assumiu a tarefa de imprimir o cancioneiro, mas não antes de se terem produzidos uns 50.000 exemplares localmente!
Uma nova sede
Ao longo dos anos, a obra do Reino em Malaui foi supervisionada de vários locais, em geral, apertados. Em meados da década de 50, porém, decidiu-se construir um prédio projetado especificamente para sediar a filial, com acomodações para os que trabalhavam em Betel. Para isso, foi comprado em 1956 um terreno em Blantyre. Em maio de 1958 o prédio estava pronto para ser ocupado. Quão emocionados os irmãos se sentiam!
Alguns anos mais tarde, a filial ganhou um vizinho famoso. O prédio ao lado, a Casa Mudi, tornou-se a residência oficial do primeiro-ministro de Malaui, o Dr. Hastings Kamuzu Banda.
Infelizmente, depois de tanto trabalho na construção do escritório e do Lar de Betel, essa ótima sede não permaneceu nas mãos da Sociedade por muito tempo.
Uma visita encorajadora
Em 1963, Milton Henschel, da sede mundial da Sociedade, visitou Malaui outra vez. Ele chegou logo após o congresso na Libéria onde, junto com muitos irmãos e irmãs nativos, foi agredido por soldados. Realizou-se uma grande assembléia nacional perto do aeroporto, a alguns quilômetros de Blantyre. Irmãos de todo Malaui compareceram, de “Nsanje [no sul] a Karonga [no norte]”, como diz um irmão veterano. Os cerca de 10.000 presentes apreciaram os bons discursos proferidos pelo irmão Henschel e por outros oradores. Raramente as assembléias das Testemunhas de Jeová recebiam menção na imprensa, mas desta vez uma reportagem sobre a assembléia apareceu até em um jornal nacional.
A situação política do país estava ficando tensa; assim, essa assembléia foi especialmente encorajadora para os irmãos. Ouviram que as Testemunhas de Jeová em todo o mundo tomam uma posição firme a favor dos princípios da Bíblia. Sobre aquela assembléia, o irmão Mafambana, que foi o presidente, disse: “Lembre-se de que alguns dos presentes viajaram mais de 600 quilômetros na ida e na volta, de bicicleta, para assisti-la. Achavam que era um dever cristão comparecer e estavam preparados para enfrentar dificuldades para cumprir essa obrigação. Isso mostra a forte fé que tantos tinham.”
Prenúncio de problemas
O início da década de 60 viu crescer o espírito nacionalista em Malaui. Segundo um acordo firmado com a Grã-Bretanha, o país ganharia autonomia em meados de 1964, depois de uma eleição geral. No ínterim, o Dr. Banda foi empossado como primeiro-ministro interino da colônia. Antes da eleição geral, o governo tomou medidas para um cadastramento facultativo dos eleitores, de 30 de dezembro de 1963 a 19 de janeiro de 1964.
Foi então que as Testemunhas de Jeová de Malaui se viram envolvidas no que o jornal americano San Francisco Examiner mais tarde chamou de “guerra religiosa . . . uma guerra definitivamente unilateral, da força contra a fé”. Não foram as Testemunhas de Jeová que declararam guerra. Conforme ensinado na Bíblia, elas respeitam os governantes seculares e pagam conscienciosamente os impostos. (Luc. 20:19-25; Rom. 13:1-7) Entretanto, visto que Jesus Cristo disse que seus seguidores ‘não fariam parte do mundo’, as Testemunhas de Jeová também são inteiramente neutras nas guerras das nações e na política. — João 17:16; Atos 5:28, 29.
Com a febre do cadastramento eleitoral ardendo no país, as Testemunhas exerceram seu direito de não se cadastrar. No entanto, quando delegados do partido notaram sua neutralidade, teve início uma violenta onda de perseguição. Tentou-se obrigar as Testemunhas de Jeová a mudar de idéia e comprar cartões de afiliação partidária. Nesse período, a filial foi informada de que mais de 100 Salões do Reino e bem mais de 1.000 casas de irmãos haviam sido incendiados ou derrubados. Centenas de campos e celeiros foram queimados. Infelizmente, devido a isso, muitas famílias de Testemunhas de Jeová viram-se sem alimento e abrigo. Para salvar a vida, algumas fugiram para o vizinho Moçambique. Muitas foram brutalmente espancadas. Entre esses, encontrava-se Kenneth Chimbaza, superintendente viajante. Ele morreu poucos anos depois dos maus-tratos, pelo visto em decorrência dos ferimentos sofridos.
Integridade provada
São numerosas as experiências de irmãos que se mantiveram íntegros durante a perseguição. Por exemplo, houve duas irmãs que moravam não muito longe de Blantyre e tinham, ao todo, 11 filhos para cuidar. Os maridos sucumbiram à pressão e compraram os cartões de afiliação. Então, as irmãs passaram a ser pressionadas a comprar os cartões. Elas se negaram. Os delegados do partido lhes disseram que voltariam no dia seguinte para ver se elas teriam mudado de idéia. E, de fato, na manhã seguinte uma multidão foi buscá-las. Elas foram levadas a um local público, ameaçadas de estupro e espancadas por se negarem a comprar os cartões do partido. As irmãs permaneceram firmes. Então receberam permissão de ir para casa, só para serem trazidas de volta no dia seguinte. De novo foram espancadas e, desta vez, despidas na frente de uma multidão. Ainda assim, as irmãs não transigiram.
Daí, os perseguidores mudaram de tática. “Telefonamos para o escritório de vocês”, disseram, “e falamos com Johansson, McLuckie e Mafambana. Eles disseram para vocês comprarem os cartões, como eles e todas as outras Testemunhas de Jeová de [Malaui] já fizeram. Vocês são as duas únicas mulheres no país inteiro que ainda não compraram os cartões. É melhor comprarem os cartões já.” As irmãs responderam: “Servimos só a Jeová Deus. Se os irmãos da filial compraram os cartões, isso não faz a menor diferença para nós. Não vamos transigir, nem que nos matem!” (Note Romanos 14:12.) Por fim, as irmãs receberam permissão de ir embora.
Essas duas irmãs humildes e fiéis não sabiam ler nem escrever, mas tinham um profundo amor a Jeová e a suas leis. Sua determinação ecoa as palavras do Salmo 56:11: “Tenho posto a minha confiança em Deus. Não temerei. Que me pode fazer o homem terreno?”
Esforços para esclarecer nossa posição
Com o aumento dos incidentes sérios, a Sociedade fez empenhos para que as autoridades pusessem um fim à perseguição. Entrou-se em contato com o gabinete do primeiro-ministro, e uma entrevista com o Dr. Banda foi concedida em 30 de janeiro de 1964. Nessa ocasião, Jack Johansson conseguiu esclarecer a posição de neutralidade adotada pelas Testemunhas de Jeová, baseando sua explicação no capítulo 13 de Romanos. O primeiro-ministro pareceu bastante satisfeito com o que ouviu, e na saída do irmão Johansson, o Dr. Banda lhe agradeceu bastante.
Apenas quatro dias depois, porém, um grupo de Testemunhas da região de Mulanje foi agredido. Elaton Mwachande foi brutalmente assassinado. Mona Mwiwaula, uma Testemunha idosa, foi flechada no pescoço e tomada como morta. Surpreendentemente, a irmã sobreviveu, e seu depoimento foi mais tarde usado para levar os arruaceiros à Justiça. Quando as notícias desse horrível incidente chegaram à filial, os irmãos mandaram um telegrama urgente para o gabinete do primeiro-ministro.
O resultado foi outra reunião com o Dr. Banda, à qual estavam presentes dois de seus ministros, em 11 de fevereiro de 1964. Harold Guy e Alexander Mafambana acompanharam Jack Johansson. Só que desta vez o clima era bem diferente. Balançando o telegrama no ar, o Dr. Banda disse: “Sr. Johansson, o que o senhor quer dizer com um telegrama desses?” Com calma, os irmãos tentaram assegurar o primeiro-ministro de nossa neutralidade e obediência às leis do país. Mas o primeiro-ministro e os demais ministros presentes argumentaram que as Testemunhas de Jeová estavam provocando deliberadamente os agressores. A reunião terminou num tom negativo, culpando-se as Testemunhas de Jeová pela confusão no país. O irmão Johansson foi até mesmo ameaçado de deportação imediata. Contudo, parece que a ira do Dr. Banda se devia mais à incompetência de seus dois ministros, que não conseguiram apresentar evidência sólida de provocação da parte das Testemunhas de Jeová.
É interessante que, no julgamento que se seguiu ao assassinato do irmão Mwachande, o juiz que atuou no caso, o Sr. L. M. E. Emejulu, não encontrou nenhuma evidência de que as Testemunhas de Jeová tivessem de algum modo provocado os agressores. O juiz declarou: “Não vejo evidência de provocação. É verdade que as Testemunhas de Jeová propagavam sua fé com determinação e procuravam fazer conversos, mas estavam cientes de seus deveres cívicos e faziam tudo o que se lhes pedia que fizessem . . . Somente se recusaram a entrar para qualquer partido político.”
Com o desvanecimento da agitação do cadastramento eleitoral, o primeiro-ministro fez um apelo em prol da paz e da calma no país. “Não causem dificuldades aos europeus, à polícia, aos indianos, nem mesmo às Testemunhas de Jeová”, disse. “Perdoem-nas!” Em julho de 1964, em meio a muita euforia, a colônia da Niassalândia tornou-se uma república independente e mudou seu nome para Malaui. A perseguição finalmente terminara, mas não antes de oito servos de Jeová terem sido violentamente assassinados.
Breve período de calmaria
À medida que 1964 ia chegando ao fim, os irmãos passaram a usufruir um período de calmaria, falando-se em sentido comparativo. Curiosos, alguns ferrenhos ex-inimigos queriam saber mais sobre o “segredo” que habilitou suas vítimas a se manterem firmes apesar de tanta perseguição. Por conseguinte, a pregação da mensagem do Reino seguia em frente outra vez.
No início de 1966, surgiu outra oportunidade de explicar ao Dr. Banda a posição de neutralidade das Testemunhas de Jeová. A Sociedade Torre de Vigia solicitou visto de entrada para mais missionários. O Dr. Banda, que controlava a emissão dos vistos de entrada de europeus em Malaui, indagara o porquê de mais missionários. Isso levou a uma reunião entre o Dr. Banda e Malcolm Vigo, servo da filial. O Dr. Banda frisou que não queria ver ninguém se metendo na política. O irmão Vigo assegurou-o novamente de nossa obediência às leis do país e de nossa neutralidade política. — Rom. 13:1-7.
Em 1967, a média de publicadores era de mais de 17.000. Durante esse período de calmaria, mais dois missionários formados em Gileade, Keith e Anne Eaton, chegaram ao país. Quando se encontraram com o casal Johansson na filial, Linda garantiu-lhes entusiasticamente: “Vocês vieram para o país mais pacífico da África!” Mal sabiam dos sérios problemas que estavam a caminho.
A situação volta a piorar
Depois de um breve curso lingüístico, Keith Eaton, junto com Anne, sua esposa, foi designado para o serviço de distrito. No início, receberam a amorosa ajuda de Kenneth Chimbaza e sua família. Sempre desejoso de ajudar, o jovem Maimba ficava muito feliz de carregar a pasta do irmão Eaton toda vez que saíam no serviço de campo.
Em abril de 1967, quando o irmão Eaton servia numa assembléia de circuito em Thambo Village, na região de Phalombe, ele ouviu no rádio uma notícia perturbadora. O Dr. Banda acusava as Testemunhas de Jeová de provocar deliberadamente delegados do partido e membros de movimentos jovens chamados de Jovens Pioneiros de Malaui e Liga Jovem de Malaui. Alegava-se também que as Testemunhas não só se negavam a comprar os cartões de afiliação partidária, mas também persuadiam outros a fazer o mesmo.
Como em 1964, a questão dos cartões do partido estava sendo trazida à tona. Embora não fosse obrigatório comprar os cartões, negar-se a comprá-los era visto pelos delegados do partido como desrespeito. Mais tarde foi dito que comprar o cartão era “uma das maneiras de nós, o povo deste país, mostrarmos nossa gratidão ao [Dr. Banda] pelo desenvolvimento de Malaui”. Furiosos com a firme determinação das Testemunhas de Jeová neste assunto, os delegados do partido renovaram seus esforços de obrigar os irmãos a ceder. Novamente começaram a chegar à filial informes de molestamento e espancamentos.
Em certa ocasião, alguns delegados do partido pediram a Malcom Vigo que visitasse um irmão da Congregação Jumbe, preso por não comprar o cartão do partido. Antes de entrar na sala, o irmão Vigo orou em silêncio. Era óbvio, desde o início, que os delegados esperavam que o irmão Vigo lhes dissesse que a Sociedade Torre de Vigia havia dito claramente a seus membros que era errado comprar os cartões do partido. Em vez disso, ele frisou que a Sociedade não diz a ninguém o que fazer e que cada pessoa precisa tomar sua própria decisão nesse respeito. Os delegados do partido não ficaram nada satisfeitos com a explicação. Choveram perguntas de todos os lados. Na ânsia de apanhar o irmão Vigo em contradição, os delegados faziam uma pergunta atrás da outra, até mesmo antes que ele tivesse respondido a anterior. Após duas horas de interrogatório, o irmão foi por fim libertado, sem comprar o cartão do partido.
Proscrição!
A situação chegou a um ponto crítico em setembro de 1967, durante a convenção anual do partido do governo, o Partido do Congresso de Malaui. Uma das resoluções aprovadas ali declarava: “Recomendamos fortemente que a denominação Testemunhas de Jeová seja declarada ilegal neste país.” O motivo? A resolução declarava: “Ela põe em perigo a estabilidade da paz e do sossego, essencial para a suave operação do Estado.” No discurso de encerramento, o presidente afirmou: “As Testemunhas de Jeová estão causando problemas em toda a parte. Por isso, a Convenção aprovou ontem uma resolução, dizendo que as Testemunhas de Jeová devem ser proscritas. Posso afirmar-lhes que o Governo certamente investigará esse assunto sem demora.”
As Testemunhas de Jeová eram realmente um ‘perigo para a estabilidade de Malaui’? É claro que não! As Testemunhas de Malaui foram mais tarde descritas por um observador como “cidadãos modelos”, que “pagam os impostos fielmente, cuidam dos doentes, combatem o analfabetismo”. Entretanto, o governo de fato ‘investigou esse assunto sem demora’. Uma ordem do Executivo proscrevendo as Testemunhas foi logo assinada, e entrou em vigor em 20 de outubro de 1967. A nação inteira foi notificada por uma manchete em letras garrafais: “Malaui proscreve seita ‘perigosa’ ”. Embora atribuísse a medida às Testemunhas de Jeová serem “perigosas para o bom governo de Malaui”, era óbvio que a verdadeira razão era a recusa de comprar os cartões de afiliação partidária. Devido às suas fortes convicções fundamentadas na Bíblia, as Testemunhas de Jeová simplesmente decidiram “obedecer a Deus como governante antes que aos homens”. — Atos 5:28, 29.
Prevenção que compensou
Antes do início da proscrição, os irmãos da filial pressentiram que o governo iria tomar alguma medida oficial contra as Testemunhas de Jeová. Embora não esperassem uma proscrição total, começaram a tomar precauções. Reuniões especiais foram realizadas em várias partes do país com a finalidade de orientar e encorajar os superintendentes de circuito e de distrito. Deram-se orientações práticas a respeito das reuniões congregacionais, do ministério de campo, dos estoques de publicações e da correspondência. Essas informações acabaram sendo de valor incalculável quando a situação piorou.
As congregações seguiram à risca as sugestões à medida que estas chegavam até elas. Não se usou mais nenhum formulário da Sociedade; os relatórios de serviço de campo das congregações passaram a ser escritos num papel em branco e enviados à filial por mensageiros. O horário das reuniões foi mudado conforme as necessidades de cada congregação. Uma congregação decidiu realizar as reuniões no domingo, às cinco e meia da manhã, antes de os outros moradores da aldeia acordarem. Quanto à pregação, nenhuma proscrição iria impedir as Testemunhas de Jeová de divulgar as boas novas do Reino. Como no tempo dos apóstolos, nossos irmãos fiéis tomaram a posição: “Não podemos parar de falar das coisas que vimos e ouvimos.” — Atos 4:20.
Pouco antes da proscrição, a filial foi informada por uma fonte confiável de que a Gazeta do Governo preparava-se para anunciar a proscrição das Testemunhas de Jeová. Sabendo disso, os irmãos transferiram correndo todos os arquivos e documentos importantes, e até alguns equipamentos, para as casas de vários irmãos. As publicações em estoque também foram despachadas em grandes quantidades para as congregações em todo o país. Para proteger esse valioso alimento espiritual, uma congregação encheu dois latões de óleo com livros e os enterrou para uso futuro. Quando a polícia finalmente chegou à filial em novembro para confiscar a propriedade, parecia surpresa de que houvesse tão pouco em termos de publicações, arquivos e equipamentos.
Missionários são deportados
Conforme esperado, os missionários estrangeiros foram expulsos do país. Antes de partirem, fizeram o que puderam para fortalecer os irmãos, a quem tanto amavam. Malcolm Vigo visitou e encorajou irmãos cujas casas haviam sido destruídas por arruaceiros. Finley Mwinyere, superintendente de circuito, estava entre esses irmãos. O irmão Vigo disse: “Quando chegamos, vimos o irmão Mwinyere em pé, olhando para sua casa incendiada. Sua atitude foi encorajadora. Seu desejo era voltar imediatamente e fortalecer outros em seu circuito que haviam sido afetados. Ele não estava abatido com a perda de seus pertences.”
Jack Johansson viajou para o norte, à Lilongwe, para visitar cerca de 3.000 irmãos e irmãs presos. Conseguiu falar com muitos deles e encorajá-los. Ainda estavam com bom ânimo. Aliás, ele voltou sentindo-se pessoalmente edificado e descreveu a visita como uma experiência que lhe fortaleceu a fé. O oficial responsável disse mais tarde ao irmão Johansson que a situação era embaraçosa. Mencionando apenas uma das implicações da proscrição, disse que, agora, quando a rede elétrica de Lilongwe tivesse problemas, provavelmente não seria mais consertada. Os melhores e mais fiéis empregados estavam na prisão!
Os oito missionários estrangeiros não saíram de Malaui voluntariamente. No que lhes dizia respeito, não haviam feito nada de errado. Os casais Sharp e Johansson foram escoltados por policiais direto ao aeroporto e colocados num avião que saía do país. Os outros dois casais foram levados para a Prisão de Chichiri, em Blantyre, onde passaram algumas noites — Malcolm e Keith, numa cela, e Linda Louise e Anne, em outra. Depois, sob escolta policial, foram levados ao aeroporto e deportados para Maurício. Mais tarde, os casais Vigo e Johansson foram designados ao Quênia, e o casal Eaton, à Rodésia.
Com muita tristeza no coração, os missionários deixaram para trás seus queridos irmãos e irmãs. Mas as Testemunhas malauianas não ficaram entregues à própria sorte. Havia pastores espirituais, superintendentes amorosos, nas 405 congregações do país. (Isa. 32:2) Alex Mafambana ficou encarregado da obra em nível local, e a supervisão do campo malauiano foi transferida para a filial de Zimbábue (na época Rodésia). Nos anos seguintes, a filial de Harare, Zimbábue, providenciou que os superintendentes de circuito malauianos, e outros irmãos da liderança, viajassem ao Zimbábue para assistir a congressos de distrito e a cursos de atualização. Por meio desses irmãos fiéis, os programas das assembléias de circuito e dos congressos de distrito eram repassados às congregações.
Nova onda de atrocidades
Quando a proscrição tornou-se de conhecimento público, delegados do partido e membros dos Jovens Pioneiros de Malaui e da Liga Jovem lideraram uma nova e terrível onda de perseguição. A polícia e os tribunais, embora às vezes simpatizassem conosco, não possuíam poderes para deter a violência, agora que as Testemunhas de Jeová haviam sido classificadas como ilegais no país.
Conforme a perseguição se intensificava, Salões do Reino, casas, celeiros e estabelecimentos comerciais de Testemunhas de Jeová, em todas as partes do país, eram destruídos. Em alguns lugares, os agressores até mesmo chegavam de caminhão para levar os bens das Testemunhas. Embora o valor do que perderam fosse muito pequeno em sentido financeiro, para os irmãos malauianos, era tudo o que tinham.
De todo o Malaui também se recebiam notícias de espancamentos. Para algumas de nossas queridas irmãs, a perseguição assumiu uma forma especialmente horrível. Eram muitos os relatórios de estupro, mutilação e espancamento de mulheres cristãs. Os sádicos agressores não poupavam ninguém. Idosas, jovens e até algumas irmãs grávidas eram submetidas a tais suplícios cruéis. Algumas perderam o bebê em decorrência dos maus-tratos. Outra vez, milhares foram forçados a fugir de suas aldeias. Muitos se refugiaram no mato. Outros se exilaram temporariamente no vizinho Moçambique. Em fins de novembro de 1967, a onda de ataques brutais às Testemunhas de Jeová havia ceifado pelo menos mais cinco vidas.
Reação à proscrição
Nem mesmo os selvagens espancamentos detiveram as Testemunhas de Jeová. Pouquíssimas foram as que transigiram. A casa e os móveis de Samson Khumbanyiwa foram destruídos, todas as suas roupas foram rasgadas, mas sua fé não se esmoreceu. Ele disse, convicto: “Sei que nunca estou sozinho, e Jeová me protege.” A integridade desses homens e mulheres de fé é uma glória para Jeová — uma resposta ao escárnio de Satanás: “Tudo o que o homem tem dará pela sua alma.” — Jó 2:4.
A perseguição até mesmo acordou algumas pessoas sinceras em Malaui, conforme o próprio Jesus Cristo predisse. Depois de avisar seus seguidores de que seriam perseguidos, até mesmo levados a governantes, ele concluiu com as seguintes palavras encorajadoras: “Isto vos resultará num testemunho.” — Luc. 21:12, 13.
Um homem que durante algum tempo se opunha às atividades da esposa como Testemunha de Jeová acabou sendo ajudado a ver as coisas com mais clareza por causa da perseguição. Certa manhã, menos de duas semanas depois do início da proscrição, uma turba chegou à sua casa. Eles sabiam que o homem não era Testemunha, e gritaram que haviam vindo só por causa da esposa. De início, ele não abriu a porta. Mas depois que a turba ameaçou queimar a casa com todos dentro, deixou-os entrar, relutante. Logo o acorrentaram e ordenaram que ele comprasse o cartão do partido. Nesse instante, ele se deu conta de que a esposa só podia estar mesmo na religião certa. Ele se negou a comprar o cartão naquele dia. Ele e a esposa foram espancados. Mas, logo depois desse incidente, ele começou a estudar a Bíblia. No ano seguinte, dedicou a vida a Jeová, passando a servir a Jeová junto com a esposa.
Tanto pessoas de dentro como de fora de Malaui expressaram preocupação com o que estava acontecendo com cristãos inocentes. Ouviu-se alguns dizerem: “Agora sabemos que o fim do mundo está chegando, quando o povo de Deus se acha proibido em nosso país!” Artigos publicados em fevereiro de 1968 (em julho e agosto de 1968, em português) na Sentinela e na Despertai! provocaram manifestações de protesto de diversas partes do mundo. Choveram milhares de cartas no país, expressando indignação e instando com o governo que interviesse para deter as atrocidades. Em algumas agências do correio, foi preciso funcionários extras para processar a súbita enxurrada de cartas. Tão intensa e duradoura foi a reação internacional que por fim o presidente baixou um decreto declarando que a perseguição devia parar. Mais tarde, o Dr. Banda até mesmo disse que ninguém deveria ser forçado a comprar um cartão de afiliação partidária. “Quero que as pessoas sejam livres para renovar seus cartões, do próprio coração, não que sejam forçadas”, disse. Aos poucos, outra onda de perseguição começou a amainar. Isso permitiu que alguns irmãos voltassem para casa e continuassem a importante obra de pregação do Reino — usando, porém, métodos que chamavam menos a atenção, já que a proscrição não havia sido suspensa.
A obra na clandestinidade
Durante esse tempo, o irmão Mafambana cuidou fielmente da obra a nível local. Manteve-se em contato com a filial da Rodésia, através da qual recebia orientações oportunas. Com a polícia sempre à sua procura, ele tinha de ser muito cauteloso. Muitas vezes escapou de ser preso por um triz. Infelizmente ele morreu em 1969, aparentemente de câncer. Depois disso, Kenneth Chimbaza passou a supervisionar a obra das Testemunhas de Jeová em Malaui até sofrer um derrame cerebral e morrer em 1971. Com certeza, as muitas boas obras desses dois homens de integridade serão lembradas com carinho por Jeová na vindoura “ressurreição dos justos”. — Luc. 14:14; Heb. 6:10.
Com o abrandamento da perseguição, os irmãos malauianos se adaptaram à nova situação. O testemunho informal logo começou a dar frutos. Apesar da proscrição, o serviço de pioneiro ia bem. Em 1971, havia 925 pioneiros pregando zelosamente as boas novas junto com milhares de publicadores. Havia até mesmo um pioneiro especial — Gresham Kwazizirah, que ainda servia lealmente a Deus apesar da idade avançada e de muitas adversidades e provações. Ele continuou a servir a Jeová fielmente até morrer, em 1978.
“Cautelosos como as serpentes”, os irmãos continuavam a enviar os relatórios de congregações e outras correspondências à filial da Rodésia. (Mat. 10:16) Os relatórios revelavam que a zelosa pregação clandestina estava tendo bons resultados. Pouco antes da proscrição, em 1967, alcançara-se o auge de 18.519 publicadores. Em 1972, embora a proscrição ainda vigorasse e muitos tivessem fugido para Moçambique, atingiu-se um auge de 23.398 publicadores, que relatavam em média mais de 16 horas por mês no ministério.
Testemunho em “novos territórios”
Embora as Testemunhas pregassem com muita cautela, algumas foram mesmo assim detidas e presas. Mas nem isso as desanimava. Continuavam a pregar na prisão, seu novo território.
Baston Moses Nyirenda ficou sete meses na prisão, em 1969. Alguns presidiários perguntaram por que ele não entrava para a Igreja Unida, fundada por eles. Que boa oportunidade para dar testemunho! Usando uma velha Bíblia surrada que era compartilhada por todos os presos e em que faltavam muitas páginas, ele lhes explicou verdades bíblicas. Isso levou a um estudo bíblico. Até o líder da igreja estudou. Antes de sair da cadeia, o irmão Nyirenda teve a alegria de ajudar quatro pessoas a obter o entendimento básico da Palavra de Deus.
Atividade da congregação de língua inglesa
Depois de todos os missionários estrangeiros terem sido deportados por causa da proscrição, Bill McLuckie, casado com Denise, de nacionalidade sul-africana, ainda vivia em Blantyre, onde possuía um pequeno negócio para sustentar a família. A casa da família McLuckie tornou-se o novo local de reuniões da Congregação Inglesa Blantyre. É claro que as reuniões tinham de ser realizadas de maneira mais informal, para não chamar a atenção. Por isso, os irmãos não cantavam nem batiam palmas.
Foi nessa época que Guido Otto, da filial da Rodésia, começou a levar publicações para Malaui às escondidas. O pai de Guido era dono de um pequeno hotel às margens do lago Malaui, de modo que as autoridades não estranhavam as visitas de Guido. Nem desconfiavam de quantas publicações bíblicas Guido trazia em cada visita! As publicações eram guardadas num porão secreto na casa da família McLuckie. Quando o porão estava sendo escavado, os transeuntes às vezes perguntavam para o que era. “É só um banheiro”, os irmãos respondiam.
Certa noite, no meio de uma reunião, um veículo parou na frente da casa. Quem seria? A polícia? Os irmãos não sabiam o que fazer com os livros de estudo. A porta se abriu, e Guido Otto entrou animado. Que alívio!
Depois disso, como Denise explica, “Bill disse aos irmãos que a primeira coisa que deviam fazer se alguém tentasse entrar era colocar todas as publicações num cesto que tínhamos à mão. Daí, eu deveria jogar o cesto num buraco, no chão de nosso quarto. O buraco dava no porão. Sempre tínhamos um carrinho de chá pronto. Se alguém entrasse, pareceria que estávamos apenas de visita, tomando chá!”
Com a situação cada vez mais difícil, porém, as reuniões não podiam mais ser realizadas num único local. Várias casas eram usadas. Às vezes, o grupo se reunia numa floresta, vestido como se estivesse num piquenique.
Apesar das dificuldades, os irmãos ainda conseguiam contatar pessoas que realmente queriam aprender a verdade, dando testemunho informal a quem falava inglês. Alguns aceitaram a verdade. Entre esses estavam Victor Lulker, Daniel Marne e Mike Sharma, que servem na Congregação Blantyre até hoje.
Julgamentos em Blantyre
Um dia, a polícia realmente deu uma batida na casa da família McLuckie e encontrou algumas publicações da Sociedade. O irmão McLuckie foi indiciado e teve de comparecer perante o magistrado em Limbe, Blantyre. As Testemunhas nativas souberam disso e, arriscando a própria liberdade, apareceram em grande número no tribunal para apoiar a família McLuckie. Quando o magistrado anunciou o veredicto “inocente”, os irmãos irromperam em aplausos! Mas a promotoria apelou, e o caso foi para o supremo tribunal. Desta vez, Bill McLuckie foi declarado culpado e condenado a sete anos de prisão. Entretanto, eles realmente não queriam colocá-lo na cadeia e, por isso, expulsaram-no do país.
Assim, em outubro de 1972, os 37 anos de serviço leal de Bill McLuckie em Malaui chegaram ao fim. Antes de partir, ele organizou os irmãos para retirarem discretamente todas as publicações escondidas no porão secreto. Os irmãos levaram carros e mais carros de livros! Alguns mais tarde foram parados em bloqueios de estrada, mas a polícia não notou nem mesmo uma caixa. Antes de a família McLuckie sair do país, a entrada do porão secreto foi lacrada com concreto. O serviço fiel e abnegado de Bill McLuckie será lembrado por muito tempo na história das Testemunhas de Jeová de Malaui.
Terceira onda de violência
Quando os irmãos estavam começando a se acostumar com a nova rotina, os problemas tornaram a brotar. Em 1972, durante sua convenção anual, o Partido do Congresso de Malaui adotou algumas resoluções muito perturbadoras. Uma delas exigia que todas as Testemunhas de Jeová fossem despedidas de seus empregos. Sem dó nem exceção, isso foi levado a cabo. As firmas que queriam manter empregados confiáveis que eram Testemunhas não receberam permissão para isso. Os negócios e o patrimônio das Testemunhas foram confiscados. Mas o pior ainda estava por vir.
Outra resolução adotada no congresso declarava que ‘todas [as Testemunhas de Jeová] que moravam nas aldeias deviam ser enxotadas de lá’. Na prática, isso significava excluir as Testemunhas de Jeová da sociedade humana! Milhares de suas casas foram queimadas ou postas abaixo. Suas plantações foram destruídas, seus animais, mortos. Foram proibidas de tirar água dos poços das aldeias. Perderam literalmente tudo o que possuíam numa onda de saques que varreu o país.
De novo, membros de movimentos jovens comandavam a onda de perseguição, a mais intensa e brutal até então. Organizando-se em bandos de doze a cem pessoas, percorriam as aldeias à procura de Testemunhas de Jeová.
Os irmãos eram caçados em toda a nação. Em Blantyre, um grupo de irmãos foi detido e levado à sede local do partido, o anterior prédio da Sociedade, confiscado em 1967. Entre eles estava Greyson Kapininga, que serviu na filial como tradutor antes da proscrição. Quando os irmãos se negaram resolutamente a comprar os cartões de afiliação partidária, os perseguidores esfregaram uma mistura de sal e pimenta malagueta em seus olhos. Depois, bateram nos irmãos usando tábuas com pregos grandes. Quando um irmão gritava de dor, os capangas batiam ainda com mais força, dizendo: “Que o seu Deus venha salvá-lo!”
Os ataques selvagens ceifaram muitas vidas. Em Cape Maclear, na extremidade sul do lago Malaui, amarraram feixes de capim em Zelphat Mbaiko. Derramaram gasolina no capim e atearam fogo. Ele foi literalmente queimado vivo!
As irmãs também sofreram terrivelmente. Depois que se negavam a comprar os cartões do partido, muitas eram violentadas várias vezes por delegados do partido. Em Lilongwe, a irmã Magola tentava fugir da perseguição junto com muitos outros. Porém, ela estava grávida e não podia correr muito rápido. Agindo como uma matilha de cães selvagens, uma turba a alcançou e a espancou até a morte.
No campus da Faculdade de Agronomia, perto de Lilongwe, seis irmãos e uma irmã foram assassinados, e seus corpos, terrivelmente mutilados. O reitor, Theodore Pinney, protestou em pessoa ao Dr. Banda contra as atrocidades. O resultado? Foi deportado!
Milhares fogem
Com a ameaça de um genocídio pairando no horizonte, as Testemunhas de Jeová iniciaram um êxodo em massa, em outubro de 1972. Milhares fugiram para Zâmbia, a oeste. Na fronteira, um observador das Nações Unidas confirmou que “muitos dos refugiados tinham cortes e marcas aparentemente infligidos por machetes, facões enormes, comuns na [África]”.
As Testemunhas foram colocadas em campos de refugiados em Sinda Misale, localizado numa região triangular onde as fronteiras de Malaui, Moçambique e Zâmbia se encontram. Devido à falta de saneamento, as doenças se espalharam rapidamente. Em pouco tempo, mais de 350 pessoas, muitas delas crianças, haviam morrido. As notícias da difícil situação dos refugiados logo chegaram aos irmãos de outros países. Farta ajuda humanitária foi despachada para a região. As Testemunhas de Jeová da África do Sul doaram toneladas de tendas, roupas e outros itens de urgente necessidade. Liderados por Karel de Jager e Dennis McDonald, uma pequena frota de caminhões chegou aos campos, procedente da filial da África do Sul. As necessidades espirituais não foram esquecidas. Um caminhão trouxe 21 caixas de Bíblias e compêndios bíblicos. Quão felizes os irmãos malauianos se sentiram com essa evidência do verdadeiro amor cristão sobre o qual Jesus falou! — João 13:34, 35.
Logo, porém, as Testemunhas perceberam que eram hóspedes indesejados em Zâmbia. Em dezembro, as autoridades zambianas obrigaram os refugiados a voltar para Malaui. Que decepção! Aparentemente sem ter para onde ir, será que os irmãos finalmente entregariam os pontos? Michael Yadanga resumiu a questão desta forma: “Perdi meus dentes por não comprar o cartão. Perdi meu emprego por não comprar o cartão. Fui brutalmente espancado, minha casa foi destruída, e fui forçado a fugir para Zâmbia — tudo por não comprar o cartão. Não vou comprá-lo agora.” A integridade dos irmãos ainda estava intacta. Verazes são as palavras do salmista: “Muitas são as calamidades do justo, mas Jeová o livra de todas elas.” — Sal. 34:19.
As Testemunhas malauianas, tanto homens como mulheres, estavam provando que tinham uma fé igual à dos servos de Deus mencionados no capítulo 11 de Hebreus. Como os adoradores de Jeová da antiguidade, as Testemunhas malauianas ‘foram torturadas porque não queriam aceitar um livramento por meio de algum resgate’, isto é, por transigir ou renunciar à sua fé em Jeová Deus. Como eles, “receberam a sua provação por mofas e por açoites, deveras, mais do que isso, por laços e prisões”. Como eles, “o mundo não era digno deles”. — Heb. 11:35, 36, 38.
Refúgio em Moçambique
Ao voltarem de Zâmbia, viram-se mais uma vez frente à frente com atroz perseguição em Malaui. Continuar em Malaui estava fora de questão. Assim, fugiram novamente — desta vez para Moçambique. Na época, Moçambique ainda estava sob o domínio português. As autoridades trataram os irmãos com bondade. Os que moravam no sul do país cruzaram a fronteira perto de Mulanje e foram viver em campos de refugiados no Carico, onde muitos ficaram até 1986.
Moçambique também era facilmente acessível do oeste de Malaui, entre as cidades de Dedza e Ntcheu. Ali, os irmãos só precisavam atravessar a estrada principal, que servia de divisa, para encontrar refúgio. Os campos desta parte de Moçambique situavam-se perto de Mlangeni, e foi para lá que a maioria fugiu.
Os campos do Carico e próximos a Mlangeni tornaram-se o lar de uns 34.000 homens, mulheres e crianças. Congregações inteiras do povo de Deus, conduzidas pelos anciãos, fizeram a jornada até os campos. As autoridades de Malaui ordenaram que ninguém os ajudasse com transporte.
Estabelecidos nos campos, uma nova vida começava para esses servos de Jeová. Materialmente, foi difícil de início. Estavam começando tudo de novo. Não demorou muito, porém, e já havia casas construídas em alinhamento. Os campos eram ordeiros e limpos. Para complementar as rações distribuídas pela Sociedade e por órgãos assistenciais seculares, muitos irmãos iniciaram sua própria plantação. Outros conseguiam vender objetos que fabricavam ou arranjavam empregos de meio período nas aldeias vizinhas. Embora não tivessem muito em sentido material, os irmãos estavam contentes de ter as necessidades da vida. (1 Tim. 6:8) E, espiritualmente, eram ricos!
Organização nos campos
Anciãos como Kennedy Alick Dick, Maurice Mabvumbe, Willard Matengo — e mais tarde, outros — compunham a Comissão do País. Eram muito respeitados e amados por seus incansáveis esforços de cuidar das necessidades espirituais dos irmãos. Esses anciãos leais tomaram a peito a admoestação da Bíblia: “Pastoreai o rebanho de Deus, que está aos vossos cuidados.” (1 Ped. 5:2) Organizaram muitas atividades espirituais nos campos. Seguindo a rotina costumeira da maioria dos lares do povo de Jeová, providenciaram que todo dia iniciasse de forma espiritual, com a consideração do texto do dia. Estudos da Bíblia com a ajuda da revista A Sentinela, discursos públicos e até assembléias eram realizados regularmente. Os refugiados se davam conta de que essas provisões espirituais eram imprescindíveis.
De início, todas as reuniões eram realizadas num único local — o palco central. Ali, milhares se reuniam todos os dias para receber instrução bíblica e orientações a respeito das várias tarefas nos campos. Mais tarde, as congregações foram incentivadas a construir seus próprios Salões do Reino e a realizar as reuniões ali. Com o tempo, organizaram-se cinco circuitos nos vários campos.
Os irmãos da Comissão do País, bem como outros, haviam tirado muito proveito do treinamento que receberam dos missionários antes da proscrição. Isso os ajudou a organizar os campos. No geral, os campos de refugiados funcionavam de forma muito semelhante a um grande congresso de distrito. Havia departamentos para cuidar de várias necessidades, inclusive limpeza, distribuição de alimentos e, é claro, segurança.
Mesmo com quase todas as Testemunhas de Jeová vivendo no exílio, alguns perseguidores ainda não se davam por satisfeitos. Vez por outra, os inimigos cruzavam a fronteira e atacavam irmãos que viviam nos campos próximos; assim, foi preciso tomar precauções especiais para proteger o povo de Jeová.
A Comissão do País designou um grupo de irmãos como indicadores e vigias para guardar todas as entradas dos campos. Batson Longwe era o encarregado dos indicadores do campo de Mlangeni. Sua designação requeria que circulasse bastante no campo, para verificar se os irmãos estavam em seus postos. Não demorou e o apelidaram de “Sete-às-sete”. De fato, de manhã até a noite (das sete às sete), todos os dias, o fiel irmão Longwe era visto em todas as partes do campo, desincumbindo-se de sua responsabilidade de proteger seus irmãos na fé. Até hoje, Batson Longwe ainda é chamado de “Sete-às-sete” pela maioria dos irmãos. Embora alguns talvez tenham esquecido seu verdadeiro nome, todos os que viveram no campo de Mlangeni lembram-se com carinho do seu serviço leal a favor deles.
O exílio temporário em Moçambique não apenas lhes deu alívio dos perseguidores, mas também ajudou a preparar os irmãos para enfrentar as provações e os desafios ainda à frente. Ficaram mais unidos e aprenderam a confiar mais em Jeová. Lemon Kabwazi, que mais tarde serviu como superintendente viajante, diz: “Havia vantagens e desvantagens. Materialmente, éramos pobres. Mas, espiritualmente, fomos bem cuidados. Morando tão juntos, acabamos conhecendo bem os irmãos e aprendemos a amá-los. Isso nos ajudou depois, quando voltamos para Malaui.”
Caçados novamente!
Infelizmente, essa trégua da violência às mãos dos perseguidores não durou muito. Quando Moçambique se tornou uma nação independente em junho de 1975, a febre nacionalista também incendiou esse país. A neutralidade do povo de Jeová não era entendida pelos novos dirigentes do país. Negando-se a transigir, os irmãos foram obrigados a atravessar a fronteira, na região de Mlangeni, e voltar às mãos de seus perseguidores.
Ao retornarem, os refugiados foram recebidos na fronteira pelo ministro da região central, o Sr. J. T. Kumbweza Banda. Ele lhes disse: “Vocês deixaram Malaui porque quiseram, e voltaram agora porque quiseram. Voltem para suas aldeias e cooperem com os presidentes do partido.” Referindo-se aos Jovens Pioneiros do Malaui e aos membros da Liga Jovem, ele acrescentou: “Meus rapazes estão aqui para cuidar de que vocês cooperem com o Partido.” Isso deu pouca esperança de que a situação melhoraria.
Alguns dos que foram obrigados a voltar para Malaui nessa ocasião conseguiram atravessar o país e sair pela fronteira sudeste, juntando-se aos irmãos que estavam nos campos próximos a Milange, em Moçambique. Mas isso não resolveu todos os problemas. Por exemplo, Fidesi Ndalama, que foi superintendente de circuito naquela região até os campos de Milange serem desativados em fins dos anos 80, perdeu a esposa quando o campo foi atacado por guerrilheiros. Mas esse irmão de temperamento brando continua a servir a Jeová zelosamente.
Outros dos que foram obrigados a voltar para Malaui em 1975 tiveram de ficar por lá. Milhares deles encheram as estradas ao retornarem às suas aldeias. Para muitos, foi como atravessar um corredor polonês.
De início, a maioria pôde estabelecer-se de novo nas aldeias de onde vieram. Mas não demorou muito para os “rapazes” chegarem e tentarem obrigar as Testemunhas de Jeová a ‘cooperar com o Partido’. Gangues de membros da Liga Jovem cercavam as casas dos irmãos, exigindo que comprassem os cartões de afiliação partidária. Em cada casa a resposta era sempre a mesma: “Não!” A recusa resultava em todo tipo de desumanidade. Até mulheres e crianças ajudavam a bater nesses cristãos inocentes. Foram relatados abusos sexuais depravados contra homens e mulheres e histórias nauseantes de cristãos e cristãs que foram amarrados juntos na tentativa de obrigá-los a cometer imoralidade.
Mesmo na rotina normal do dia-a-dia, as Testemunhas de Jeová enfrentavam constantes desafios à sua integridade. Nos hospitais, nos mercados, nas escolas e no transporte público, membros da Liga Jovem estavam sempre à espreita dos que não tinham o cartão do partido. Fiel às palavras de Revelação 13:16, 17, ninguém podia “comprar ou vender”, ou levar uma vida normal, sem ter ‘a marca da fera’ — a evidência de que apoiava o sistema político do mundo.
Em meio a tantas adversidades, as Testemunhas de Jeová permaneceram firmes, nunca transigiram. Mas os perseguidores também não desistiram. Mais ainda estava por vir.
Lançados em prisões
Congregações inteiras das Testemunhas de Jeová eram lançadas em centros de detenção que operavam de uma maneira que evocava lembranças dos campos de concentração nazistas. Infelizmente, em alguns casos, criancinhas e bebês foram separados de pais aflitos. Algumas dessas crianças foram deixadas aos cuidados de parentes descrentes. Outras ficaram sem ninguém para sustentá-las. Em janeiro de 1976, já havia mais de 5.000 homens e mulheres em prisões e campos em todo o país.
A princípio, a situação era terrível. A superlotação causou a disseminação de doenças fatais. Guardas cruéis aumentavam o tormento. Um deles zombou dos irmãos, dizendo: “Conforme determinado pelo governo, faremos de vocês os nossos tratores.” Baston Moses Nyirenda se lembra de que era forçado a trabalhar do nascer ao pôr-do-sol, sem pausa para descansar ou comer!
Do mal-afamado campo de detenção Dzaleka, certo irmão conseguiu enviar o seguinte bilhete, escrito num pedaço de papel higiênico: “Mesmo muito doentes, os irmãos e as irmãs são forçados a trabalhar. As crianças doentes são mandadas para o hospital de Dowa . . . Eles não cuidam de pacientes que são do povo de Jeová. Chamamos o hospital de Dowa de matadouro do povo de Jeová.”
Parecia que os guardas da prisão tentavam de tudo para desanimar os irmãos e quebrantar sua integridade. Mas não conseguiram! O povo de Jeová aprendeu a lidar com as adversidades. Um bilhete escrito num pedaço de saco de cimento continha as seguintes palavras que fortalecem a fé: “Boas notícias. Todos os irmãos e as irmãs alegres, embora perseguidos e carregando pedras.”
Muitas cartas de protesto de outros países — de Testemunhas de Jeová e de muitas outras pessoas — foram enviadas ao gabinete do presidente, o Dr. Banda. Contudo, esses apelos caíram em ouvidos surdos, e nossos irmãos continuaram na prisão.
“A palavra de Deus não está amarrada”
Apesar da situação, os irmãos conseguiam realizar reuniões cristãs nas prisões. As publicações entravam escondidas e eram distribuídas entre os irmãos. Como isso era feito? Sobre um Anuário que chegou às mãos dos irmãos da prisão de Dzaleka, Baston Moses Nyirenda diz:
“Havia um irmão que não estava preso e que trabalhava nas hortas da prisão. Como os guardas estavam acostumados a vê-lo entrar e sair da prisão a toda hora, nunca o revistavam. Ele escondeu o livro na camisa, quando veio entregar verduras aos guardas. Antes de partir, conseguiu passar o livro a um dos irmãos. Ficamos muito contentes com o Anuário, porque naquela época ele tinha todos os textos e os comentários do dia. Trabalhamos rápido, copiando todos os textos e comentários em pedaços de papel higiênico. Usamos vários rolos! Duas semanas depois, um guarda descobriu o livro. Mas, então, já havíamos distribuído cópias em todo o campo. Conseguimos até mandar cópias para as irmãs, na seção em que estavam presas.”
A Comemoração da morte de Cristo foi celebrada em grupos pequenos, em Dzaleka. Uma carta chegou à Sociedade dizendo que “1.601 assistiram à reunião no nosso lindo dia, 14 de abril”. Em Dzaleka, 13 tomaram dos emblemas. O relatório também dizia: “Quase todas as celas entoaram cânticos antes do discurso, e cantaram depois da reunião.”
Com o tempo, a situação nas prisões começou a melhorar um pouco. Alguns guardas por fim tornaram-se bastante amistosos com os irmãos. Depois de se aposentar de seu serviço na prisão, um dos guardas até mesmo abraçou a verdade. Agora ele é o irmão Makumba. Seu filho também dedicou a vida à Jeová. Tal como o apóstolo Paulo declarou, ‘a palavra de Deus não estava amarrada’. — 2 Tim. 2:9.
Servindo a Jeová em tempos de proscrição
A perseguição aos poucos foi-se amainando outra vez. Por volta de 1979, a maioria das Testemunhas de Jeová já tinham sido soltas da prisão. Havia muita curiosidade entre seus vizinhos. “Por que vocês foram presos?” “Por que todo mundo persegue as Testemunhas de Jeová?” Perguntas como essas abriram o caminho para palestras bíblicas, e muitos acabaram tornando-se servos de Jeová. Sabiam muito bem que, caso se tornassem Testemunhas de Jeová, também seriam odiados, como Jesus predisse; todavia, reconheciam que as Testemunhas de Jeová realmente praticam a verdadeira religião. (Luc. 21:17; Tia. 1:27) É interessante que havia mais recém-batizados entre as pessoas encontradas na obra de testemunho do que entre os filhos dos que já eram Testemunhas de Jeová.
Como as publicações bíblicas usadas nas reuniões e no ministério de campo entravam no país naquele tempo? No fim dos anos 70, o campo malauiano passou a ser supervisionado pela filial de Zâmbia, porque Zâmbia faz fronteira com Malaui, e o Zimbábue não. Vários depósitos em Zâmbia foram estrategicamente abertos próximos à fronteira com Malaui. Os raros irmãos que tinham veículos iam até Zâmbia, apanhavam grandes pacotes de publicações e os levavam às escondidas para Malaui. Como os bloqueios de estrada eram poucos naqueles primeiros anos de proscrição, essa estratégia funcionava bem.
Com os necessários livros e revistas nas mãos dos irmãos, podiam-se programar as reuniões. Obviamente, não era possível realizar reuniões abertas ao público, num Salão do Reino. Os irmãos tinham de se reunir escondidos, em geral à noite, longe dos ouvidos dos vizinhos e de outros aldeões. Alguns irmãos nas aldeias possuíam terrenos herdados de seus ancestrais, geralmente perto da aldeia. Esses eram lugares práticos para se reunir. É claro que um grupo grande, andando ao mesmo tempo para a reunião, atrairia muita atenção; assim, os irmãos andavam em grupos pequenos. Quando todos chegavam lá, a reunião podia começar. Os cânticos do Reino não eram cantados com fervor, mas de forma abafada. Nem se aplaudiam entusiasticamente os bons discursos — os irmãos apenas esfregavam as palmas das mãos.
No entanto, todos nas reuniões apreciavam o alimento espiritual no tempo oportuno e sentiam-se unidos aos irmãos de toda a Terra, que desfrutavam do mesmo programa de instrução. Essas reuniões também serviam para preparar os irmãos para a toda importante obra de pregação, que precisavam fazer com muita discrição.
Correios corajosos
Embora as publicações entrassem em Malaui sem muita dificuldade por um tempo, em meados dos anos 80 isso mudou. Bloqueios de estrada começaram a surgir em todo o país. A polícia ficou mais atenta nas revistas dos veículos. Os irmãos não podiam mais usar automóveis para transportar publicações dos depósitos de Zâmbia. O que se podia fazer?
Passou-se a usar mais as bicicletas. Pedalando através do mato, os irmãos conseguiam evitar os bloqueios nas estradas e os cruzamentos nas fronteiras. Era preciso grande coragem e forte fé para ser correio. Mas seu serviço leal foi claramente abençoado por Jeová Deus. Veja estas experiências:
Letson Mlongoti atravessava Lilongwe com um saco de revistas na traseira da bicicleta. Quando notou uma enorme multidão, inclusive policiais e Jovens Pioneiros de Malaui, fazendo fila nas ruas para a visita do presidente, ficou muito nervoso. Então, para o seu horror, o saco caiu aberto no chão quando ele dobrava uma esquina. As revistas se esparramaram na frente de todo mundo! As pessoas rapidamente o cercaram. Mas logo ele percebeu que elas só o estavam ajudando a colocar as revistas de volta no saco. Aliviado, embora um pouco abalado, ele logo estava novamente a caminho de seu destino, agradecendo a Jeová por cegar os olhos da polícia e dos Jovens Pioneiros de Malaui.
Fred Lameck Gwirize levava um importante carregamento de correspondência de congregações. Descendo depressa um morro nas cercanias de Kasungu, viu à sua frente um bloqueio de estrada, com membros da Liga Jovem a postos. Antes de chegar ao bloqueio, ele parou, deu meia volta, e pedalou rapidamente na direção contrária. Os membros da Liga Jovem o mandaram parar. “Onde você está indo?”, gritaram. O irmão respondeu: “Desci o morro tão depressa, que não consegui dobrar no lugar certo!” Para sua surpresa, eles engoliram a explicação. Ele agradeceu a Jeová pela proteção.
Mas alguns desses corajosos irmãos foram apanhados e mandados para a prisão. A maioria deles era chefe de família.
Um “turista” habitual
A partir de 1987, Edward Finch, membro da Comissão de Filial de Zâmbia, passou a visitar Malaui regularmente. Malaui atraía muitos turistas, e o irmão Finch tinha um parente em Blantyre; assim, era fácil ele entrar no país para passar “férias”. Quando tinha apenas 19 anos e era pioneiro na Rodésia, sua terra natal, Ed Finch acompanhou Guido Otto em algumas viagens a Malaui, para reabastecer o porão secreto da família McLuckie. Agora, tendo-se formado na Escola de Gileade, o irmão Finch recebeu novas responsabilidades relacionadas com Malaui.
Suas visitas deviam-se à preocupação da filial de Zâmbia de que Malaui não estivesse recebendo suficientes publicações bíblicas. Na reunião do irmão Finch com a Comissão do País, os irmãos da comissão estavam muito empolgados de ter alguém do exterior para encorajá-los e dar-lhes mais orientações. Realizou-se uma série de reuniões secretas com a Comissão do País, com os superintendentes de circuito e de distrito e com os correios. Todos sentiam entusiasmo pelo privilégio de ajudar a cuidar das necessidades das congregações. As publicações, estocadas nos depósitos de Zâmbia, perto da fronteira com Malaui, fluíam novamente para Malaui de forma regular.
O irmão Finch, em geral acompanhado de sua esposa, Linda, fez muitas viagens “turísticas” encorajadoras a Malaui. Ele cruzou o país de norte a sul e de leste a oeste, não para ver pontos turísticos, mas para encorajar e treinar o maior número possível de irmãos. Suas visitas eram apreciadas especialmente pelos irmãos que tomavam a dianteira durante a proscrição. Eram gratos pelo amor e pela paciência que ele demonstrou ao trabalhar com eles.
Ajuda para os correios
Obviamente, era impossível para os correios alcançar todas as congregações de Malaui de bicicleta. Assim, comprou-se uma caminhonete em 1988, que foi extensamente usada no país para entregar publicações. Os motoristas se familiarizaram com as áreas em que havia bloqueios de estrada e prudentemente as evitavam. Outros irmãos corajosos também ofereceram seus serviços. Entre eles, estava Victor Lulker, da congregação de língua inglesa em Blantyre. Usando seu próprio carro e correndo um grande risco, transportou publicações várias vezes, de noite, para depósitos secretos no país. Antes de 1972, Cyril Long, agora na África do Sul, ajudou a fazer o mesmo. Numa farmácia que simpatizava com as Testemunhas de Jeová, ele também conseguia para os irmãos medicamentos urgentemente necessários com desconto.
Um fator importante no fornecimento do alimento espiritual foi que a sede da Sociedade, em Brooklyn, aprovou a impressão de revistas em papel-bíblia, livros com capa mole e artigos de estudo de A Sentinela num formato especial, que ficou conhecido como minirrevista. Quando Ed Finch se reuniu secretamente com os correios em abril de 1989 e lhes falou sobre essas edições especiais das publicações, os correios choraram de emoção. Quanto apreciavam as amorosas provisões de Jeová! Poderiam então transportar duas vezes mais publicações do que antes.
Essas publicações eram mais fáceis de dobrar e esconder. As minirrevistas podiam até mesmo ser lidas em público, no transporte. Ninguém sabia o que eram! “O escravo fiel e discreto” realmente mostrou-se à altura de sua comissão de prover o ‘alimento espiritual no tempo apropriado’. (Mat. 24:45-47) Esses preciosos ‘alimentos’ ajudaram os servos de Jeová a permanecer íntegros durante os períodos de adversidades.
Uma congregação diferente
Infelizmente, em 1990, ocorreu um acidente envolvendo a caminhonete da Sociedade e uma viatura de polícia. Quando a polícia descobriu o que havia na caminhonete, os dois irmãos foram detidos na hora e mandados para a cadeia. Um deles era Lemon Kabwazi.
Ao chegar na Prisão Chichiri, o irmão Kabwazi notou que os dez irmãos que já estavam presos lá encontravam-se numa situação lastimável. Os prisioneiros mais antigos roubavam todos os cobertores e não permitiam que os irmãos realizassem as reuniões. O irmão Kabwazi viu que era preciso fazer alguma coisa. Quando sua esposa, Chrissie, o visitou, ele lhe pediu que trouxesse algumas das roupas dele à prisão. Ele as distribuiu entre os irmãos para que pudessem vestir-se adequadamente. Os outros prisioneiros ficaram impressionados. O irmão Kabwazi procurou fazer amizade com os prisioneiros mais antigos, que controlavam o estoque de cobertores. Como conseguiu fazer isso? “Pedi a um irmão que me comprasse dez quilos de açúcar”, disse o irmão Kabwazi. “Um quilo de açúcar comprava um cobertor.” O açúcar também “comprou” a amizade dos prisioneiros mais antigos, que passaram a permitir as reuniões sem problemas.
Com a realização regular das reuniões no pátio da prisão, logo foi formada uma congregação. Seu nome? Congregação Cantinho — porque as reuniões eram realizadas num dos cantos do pátio da prisão. Com o tempo, a Congregação Cantinho chegou a ter uma assistência regular de mais de 60 pessoas. Com três anciãos e um servo ministerial, esta nova congregação era bem cuidada. Seu território também era muito produtivo. Sempre havia pessoas “em casa” com quem falar! Dos cinco estudos bíblicos que o irmão Kabwazi dirigiu ali, duas pessoas se batizaram!
Alimento “saudável”
Um problema da Congregação Cantinho era como conseguir publicações para usar nas reuniões. Para isso, o irmão Kabwazi também tinha um plano. Pediu a um irmão que acabara de ser libertado da prisão que voltasse trazendo um pacote de alimentos. Quando os guardas da prisão revistaram o pacote, só viram raízes de mandioca, alimento básico, comum em Malaui. Nem desconfiavam quão “nutritivas” e “saudáveis” eram essas mandiocas! Finas fatias haviam sido cortadas do miolo de cada raiz. Dentro das raízes haviam sido enfiadas minirrevistas enroladas, pequenos trechos do livro Raciocínios e o folheto Examine as Escrituras. Após duas entregas desse alimento “saudável”, os irmãos tinham tudo o que precisavam para as reuniões e os estudos bíblicos. O irmão Kabwazi lembra-se de que eles tinham tantas edições das minirrevistas que nem uma vez, nos oito meses que ele passou na prisão, foi preciso repetir um artigo no Estudo de A Sentinela.
Felizmente, a Congregação Cantinho não existe mais. O povo de Jeová em Malaui não tem mais de realizar as reuniões atrás das grades!
Os irmãos conquistam respeito
Os ataques às Testemunhas de Jeová aos poucos foram se tornando incidentes mais isolados. Contudo, de vez em quando ainda se relatavam incidentes. Os irmãos permaneciam firmes, como sempre. Em resultado, muitas pessoas passaram a respeitar o povo de Jeová.
Na região de Mchinji, o Chefe Mzama dirigiu uma carta “ao amado povo de Deus que vive na minha jurisdição”. Nela, ele dizia: “Todas as Testemunhas de Jeová que moram no meu distrito são pessoas muito boas. Meu distrito compreende 13 aldeias.” Depois de elogiar as Testemunhas por pagarem fielmente os impostos, seguirem normas de moral elevadas e serem asseadas, respeitosas e trabalhadoras, ele concluiu: “Incentivo todas vocês, Testemunhas de Jeová, a continuarem a seguir suas leis.”
No início de 1990, Austin Chigodi estava entre as 22 pessoas detidas numa assembléia de circuito em Nathenje, próximo a Blantyre, por membros da Liga Jovem. Depois de passar um ano e meio na prisão, o irmão Chigodi, então na casa dos 70 anos, foi solto. Quando alguns dos membros da Liga Jovem viram que este senhor idoso ainda estava vivo e permanecia fiel a Deus, ficaram profundamente impressionados. Até mesmo pediram um estudo bíblico. O irmão Chigodi, porém, foi muito cauteloso, não querendo colocar os irmãos em perigo. Os jovens insistiram. Por fim, iniciaram-se os estudos. Felizmente, alguns progrediram até o batismo e, hoje, alguns até são anciãos e servos ministeriais.
Outro irmão fiel, Samuel Dzaononga, agüentou quatro sentenças de prisão em Dzaleka por causa da neutralidade. Em 1989, depois de se negar mais uma vez a comprar o cartão do partido, foi detido pela quinta vez. Membros da Liga Jovem o levaram ao posto policial de Salima. Como ficaram surpresos quando o policial no comando lhes disse: “Se querem que este homem vá para a prisão novamente, é melhor estarem preparados para ir junto com ele. Seria bom que vocês soubessem o que ele agüentou sem jamais transigir em sua fé. Estão dispostos a fazer isso?” “Não”, responderam. O policial acrescentou: “Então é melhor levarem-no de volta para sua aldeia e pararem de incomodá-lo. Ele nunca vai transigir em sua fé.” Assim, o irmão Dzaononga foi levado de volta à sua aldeia. Ao chegarem lá, o cabeça da aldeia foi chamado e avisado para não permitir que nosso irmão fosse incomodado novamente. A partir de então, o irmão Dzaononga era visto lendo A Sentinela e Despertai! e dando testemunho aos vizinhos — em público e sem medo de ser incomodado.
Testemunho informal
Durante toda a proscrição, os irmãos sempre deram testemunho informal. Mas quando a oposição não era tão intensa, faziam isso com mais intrepidez. Em princípios de 1990, na cidade de Ntcheu, o livro Escute o Grande Instrutor foi deixado com uma jovem mulher que mostrou interesse na verdade bíblica. Como ela não sabia ler direito, os irmãos a incentivaram a pedir a alguém que lesse para ela. “Mas você precisa pedir a alguém em quem confie”, alertaram. Na época, seu irmão, Simon, estava passando algum tempo na casa dela. Ali estava alguém em quem ela podia confiar. Ao ler para sua irmã, Simon logo reconheceu o tom da verdade. Com o tempo, iniciou-se um estudo bíblico regular com Simon. “Pude ver por mim mesmo, na Bíblia, que os verdadeiros cristãos seriam perseguidos”, disse Simon, “assim, sabia que as Testemunhas de Jeová são a religião verdadeira”. (2 Tim. 3:12) Simon Mangani progrediu depressa e foi batizado naquele mesmo ano, servindo atualmente no Betel de Lilongwe.
Em Blantyre, uma súbita tempestade teve um desfecho inesperado para Beston Madeya, pioneiro regular. Ele se abrigou na varanda de uma igrejinha. Enquanto esperava a chuva passar, ouviu por acaso algumas pessoas perguntarem ao pastor: “Todo mundo que é bom vai para o céu?” O pastor não soube responder. Ansioso de ajudá-los, o irmão Madeya entrou na igreja e se ofereceu para responder à pergunta. Para sua surpresa, eles aceitaram. Seguiram-se muitas outras perguntas, e logo sete estudos bíblicos estavam sendo dirigidos.
Na escola, os jovens também aproveitavam as oportunidades para dar testemunho. Quando o professor lhe pediu para fazer uma redação, Dorothy Nakula decidiu escrever sobre as origens do Natal. O professor ficou tão impressionado com a redação que a mostrou aos outros professores. “Onde você conseguiu as informações?”, perguntaram. Em resultado, Dorothy deixou 17 revistas com seus professores.
“Querido tio”
Embora os servos de Jeová tivessem de suportar muitas tribulações, nunca se sentiram sozinhos. Sabiam que Jeová os amparava e confiavam no amor e no apoio da fraternidade mundial.
Além da ajuda da filial da Rodésia (agora Zimbábue) e de Zâmbia, irmãos maduros do país se desdobravam para cuidar com carinho do rebanho em Malaui e prover-lhe o alimento espiritual. A Comissão do País, ou Departamento Pessoal, como era chamada, teve uma importante participação nisso. Qual era a sua função? Lemon Kabwazi, que serviu na Comissão do País por muitos anos, explica: “Basicamente, nossa função era garantir que as publicações chegassem aos irmãos. Por isso, dedicávamos muitas horas a organizar e encorajar os correios e os superintendentes de circuito. Também visitávamos as vítimas de perseguição, para determinar o que poderíamos fazer para ajudá-las e fortalecê-las.”
Cartas de encorajamento e suprimentos eram enviados às diversas congregações. Era arriscado usar o serviço postal; assim, os irmãos criaram códigos especiais e apelidos para não exporem uns aos outros. As cartas da Comissão do País eram assinadas com “D.P.”. Desta forma, mesmo que a carta fosse interceptada, as autoridades não conseguiriam entender de que se tratava. Os superintendentes de circuito eram conhecidos pelo número do circuito a que serviam, e as suas visitas eram chamadas de “semanas especiais”. Até hoje, ainda se ouve alguns dizerem: “Em breve teremos a visita do M-11, na nossa semana especial.” E quanto à própria Comissão do País? As cartas de irmãos de todo o país eram dirigidas a “Querido Tio”, e as respostas eram enviadas a vários “sobrinhos” e “sobrinhas”. Essa atitude cautelosa ajudou a manter a comunicação durante os muitos anos de proscrição.
Os anciãos que serviam na Comissão do País realmente demonstraram o que significa buscar primeiro os interesses do Reino. (Mat. 6:33) Alguns, como Ellyson Njunga, Havery Khwiya, Adson Mbendera e Lemon Kabwazi, ainda servem a Jeová como ministros de tempo integral. Seu exemplo fiel incentivou muitos a colocar o Reino em primeiro lugar na vida e a permanecer íntegros apesar das adversidades.
Mudanças políticas
Quando um novo vento de fervor “democrático” começou a varrer o sul da África, Malaui também sentiu seus efeitos. Em 1992, aumentou a pressão internacional para que o governo melhorasse sua atuação no campo dos direitos humanos. Em resposta, o presidente, o Dr. Banda, anunciou: “Quem quer que esteja forçando pessoas a comprar cartões do partido . . . está agindo contra as normas do Partido do Congresso de Malaui”. Ele acrescentou: “Isso é muito ruim, muito ruim . . . nunca mandei ninguém fazer isso.” Assim, o Dr. Banda pôs fim a algo que por 25 anos causou muito sofrimento aos fiéis irmãos de Malaui.
Depois disso, as Testemunhas de Jeová descobriram que a maioria das reuniões e assembléias podia ser realizada aberta e livremente. Não houve mais relatórios de importunações ou perseguição. Havia enfim uma certa medida de liberdade, e os irmãos a aproveitaram ao máximo. Só não estavam preparados para o que aconteceria a seguir.
“Jeová é um Deus maravilhoso!”
Doze de agosto de 1993 — que dia memorável para o povo de Jeová em Malaui! A proscrição, que durou quase 26 anos, finalmente terminou. De início, os irmãos nem mesmo se deram conta disso. Em 1967, ano em que começou a proscrição, jornais de todo o país anunciaram em manchetes garrafais a medida tomada contra a “seita ‘perigosa’ ” — as Testemunhas de Jeová. Quando a proscrição terminou, não se ouviu nem um sussurro. Aliás, foi quase por acaso que um irmão viu um minúsculo anúncio na Gazeta do Governo. Ao saberem das novas, os irmãos ficaram radiantes, mas não puderam deixar de sentir um pouco de descrença. Por quê? O irmão Kabwazi disse: “Orávamos para que a proscrição acabasse um dia. Mas jamais pensamos que isso aconteceria enquanto o Dr. Banda ainda estivesse vivo.” Ele acrescentou: “Jeová é um Deus maravilhoso!”
Em 1967, antes da proscrição, cerca de 18.000 publicadores associavam-se ativamente com as congregações. Quantos haviam agora, após 26 anos de oposição, muitas vezes brutal? Um auge de 30.408! A integridade de nossos irmãos e irmãs triunfara sobre todas as adversidades — para o louvor do glorioso nome de Jeová!
As Testemunhas de Jeová ficaram radiantes com a recém-obtida liberdade. No entanto, estavam cientes de que havia mais trabalho do que nunca à frente.
Campanha especial
Assim que as notícias chegaram à filial de Zâmbia, Ed Finch foi enviado a Malaui, não como turista, mas para ajudar a legalizar novamente a obra das Testemunhas de Jeová em Malaui. Durante a visita, ele e Linda tiveram a oportunidade de trabalhar junto com a congregação de língua inglesa, de Blantyre. A maioria dos publicadores dali nunca havia pregado de casa em casa. É compreensível que estivessem nervosos. Mas com um pouco de persuasão da parte do casal Finch, todos os publicadores saíram no ministério. Quão empolgante foi quando, algumas horas depois, eles voltaram para contar suas experiências! Muitos moradores haviam escutado com extremo interesse. Outros os felicitaram pela liberdade concedida às Testemunhas de Jeová. Depois disso, os irmãos acharam bem mais fácil sair no ministério.
No início, foi difícil registrar novamente a obra das Testemunhas de Jeová em Malaui. Não se encontravam provas, em nenhuma repartição do governo, de que a Sociedade tivesse algum dia sido uma entidade registrada. Daí, um dia, Ed Finch notou alguns livros antigos no cartório de registro em Blantyre. Apanhou o volume em que havia um “W”. Ali estava o registro original! A partir de então, o lado legal das coisas andou rápido. Em 15 de novembro de 1993, a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Pensilvânia, pessoa jurídica usada pelas Testemunhas de Jeová, foi registrada pela segunda vez, e as Testemunhas de Jeová passaram a ser de novo reconhecidas oficialmente como religião em Malaui.
Em fins daquele ano, foi realizada uma campanha especial com um tratado em todo o país. Apropriadamente, o tratado Em Que Crêem as Testemunhas de Jeová? foi oferecido nas três línguas principais. Serviu a uma finalidade dupla. Primeiro, ajudou os irmãos a se ocuparem novamente no ministério público, e, segundo, ajudou o público a conhecer por si mesmo os fatos sobre as Testemunhas de Jeová. Mais de um milhão de exemplares foi distribuído, e muitas cartas expressando interesse chegaram à filial de Zâmbia. Mais uma vez, a proclamação pública de louvor a Jeová voltou a ser ouvida de casa em casa e nas ruas de Malaui!
Reorganização da obra
A primeira turma da Escola de Treinamento Ministerial do sul da África estava em andamento em Zâmbia quando chegaram as notícias sobre o fim da proscrição. Isso gerou muita empolgação entre betelitas e estudantes. Quão emocionados dois dos estudantes ficaram quando foram designados para Malaui! Foram os primeiros servos de tempo integral estrangeiros a serem designados ao país desde 1967. Esses irmãos, Andrew Bird e Karl Offermann, estão atualmente no Betel de Lilongwe. Bernard Mazunda, o primeiro malauiano a cursar a escola, também da mesma turma, é agora superintendente de circuito, junto com formados de outras turmas da escola.
No ínterim, irmãos da filial de Zâmbia continuaram tratando dos problemas da reorganização da obra em Malaui. Logo descobriram que, embora as Testemunhas de Jeová não estivessem mais proscritas, suas publicações bíblicas estavam. Uma reunião muito proveitosa, com o Ministro da Justiça, ajudou a resolver a questão. Ele tomou medidas imediatas para acabar com a proscrição às publicações da Sociedade. Mais do que isso, ofereceu-se para ajudar a encontrar um terreno adequado para uma nova filial. Em resultado, achou-se um ótimo terreno de 12 hectares, à venda em Lilongwe. A construção da nova filial neste terreno bem situado já está em andamento.
Com as congregações se reunindo abertamente outra vez, quanta alegria muitos sentiram ao rever amigos que não viam desde antes da proscrição! As reuniões passavam da hora, mas ninguém parecia importar-se com isso. A assistência não precisava mais limitar suas manifestações de apreço pelos discursos dos irmãos a esfregar as mãos. Agora, ouviam-se aplausos entusiásticos para todos os que subiam à tribuna. Os cânticos do Reino não mais tinham de ser cantados com vozes abafadas. Os irmãos podiam cantar alto e claro. O cântico que logo se tornou o favorito de todos foi “A Ti Damos Graças, Jeová”.
Entretanto, os irmãos reconheciam que precisavam de ajuda para se atualizarem em assuntos organizacionais. Os anciãos humilde e animadamente aceitaram as orientações do escritório da Sociedade e de outros irmãos especialmente treinados. Não demorou muito para se notar rápidas melhoras em procedimentos organizacionais nas congregações. O número de publicadores também continuou a aumentar. No ano de serviço que se seguiu ao fim da proscrição, 4.247 novos discípulos foram batizados, e 88.903 compareceram à Comemoração da morte de Cristo.
Mais ajuda
Uma grande euforia tomou conta do país com a notícia da volta de dois casais de missionários que haviam servido em Malaui antes da proscrição. Keith e Anne Eaton, que serviram em Zimbábue nesse meio tempo, chegaram em 1.º de fevereiro de 1995, para ajudar no escritório em Lilongwe. Mais tarde, Jack e Linda Johansson, que estavam no Zaire (agora República Democrática do Congo), foram designados ao lar missionário de Blantyre. Ambos os casais receberam novo visto de residência permanente no país. Que feliz reencontro tiveram esses antigos missionários e os irmãos com quem eles serviram antes da proscrição!
Em fevereiro de 1995, Malcolm Vigo, atualmente na filial da Nigéria, mas que era o servo de filial de Malaui quando a proscrição começou, teve o privilégio de visitar Malaui como o primeiro superintendente zonal aqui em muitos, muitos anos. Sua esposa, Linda Louise, veio com ele. Sua reação? “Foi uma experiência emocionante e um grande privilégio. Foi como voltar para casa.”
No ínterim, outros missionários e irmãos qualificados de filiais próximas também foram designados a Malaui. Recebeu-se uma enxurrada de cartas do campo. Certamente, havia “bastante para fazer na obra do Senhor”. — 1 Cor. 15:58.
“Louvadores alegres”
Imagine como se sentiram as Testemunhas malauianas quando, durante os meses de junho e agosto de 1995, puderam realizar congressos de distrito pela primeira vez em 28 anos. Como costuma acontecer na maioria dos congressos na África, as famílias trouxeram toda a sua katundu (bagagem), inclusive cobertores, panelas e até lenha para cozinhar a comida.
A maioria dos presentes não lembrava a última série de congressos realizada antes da proscrição. Eram muito jovens, ou nasceram depois daquela data, ou ainda não haviam aprendido a verdade. Assim, para a maioria, este foi o seu primeiro congresso de distrito. Foi muito apropriado que o tema fosse “Louvadores Alegres”. Ao chegarem aos locais de congresso, alguns esfregaram os olhos em descrença e disseram: “Não estou sonhando, estou?” Estavam emocionados de se unirem a co-adoradores do mundo inteiro para este congresso. Ao todo, foram realizados nove congressos em várias regiões do país, com uma assistência conjunta de 77.000 pessoas! Um novo instrumento para o ministério de campo, o livro Conhecimento Que Conduz à Vida Eterna, foi recebido com entusiasmo. Embora fosse lançado apenas em inglês no congresso, os irmãos ficaram contentes de saber que a tradução em chicheva já estava em andamento.
Houve também um congresso em inglês. Embora pequeno, foi um evento de caráter internacional. Visitantes vieram da África do Sul, de Moçambique, do Zaire, de Zâmbia e de Zimbábue. Curiosamente, o congresso foi realizado no Centro de Conferências de Kwacha, em Blantyre, construído pelo Dr. Banda especificamente para a realização de algumas das reuniões de seu partido político. Os visitantes ouviram com grande interesse dois irmãos nativos, Widdas Madona e Lackson Kunje, contarem, numa entrevista, suas experiências durante os anos de proscrição. Ed Finch também estava lá, e a respeito dessa feliz ocasião, ele diz: “Por quanto tempo havíamos orado por esse dia! Muitas lágrimas de alegria rolavam dos rostos dos presentes. Com lágrimas nos olhos e um grande nó na garganta, vimos Victor Lulker batizar sua filha, Angeline, não escondido, numa banheira, mas publicamente.” Quando o congresso encerrou com o comovente cântico “A Ti Damos Graças, Jeová”, nossos corações novamente se encheram de alegria e emoção, e lágrimas escorriam incontidas. Todos estes nove congressos serão lembrados por muito tempo pelos louvadores alegres presentes.
A filial volta a funcionar
Em 1.º de setembro de 1995, o escritório em Malaui voltou mais uma vez a ser uma filial, operando sob a direção do Corpo Governante. Desta vez, o escritório estava situado em Lilongwe. Havia 542 congregações e mais de 30.000 publicadores; assim, havia muito para fazer.
A partir de então, as coisas realmente caminharam a passos largos! De início, os dez betelitas tinham de trabalhar muito para vencer o volume de trabalho. Agora, contamos com o apoio de mais betelitas e de outros irmãos que se ofereceram para ajudar. As equipes de tradutores do chicheva e do tumbuca também foram transferidas de Zâmbia de volta para a pátria dessas línguas.
A filial tem estado ocupada ajudando os irmãos a lidar com novas situações que provam sua lealdade. Essas incluem a saudação à bandeira, a imoralidade, o uso de drogas e as más companhias. Foi formada a mesa de Serviços de Informações sobre Hospitais para ajudar os irmãos que enfrentam problemas com transfusão de sangue.
Também de grande ajuda têm sido dois casais de ministros viajantes da África do Sul, que foram designados a Malaui. Os maridos estão realizando um ótimo trabalho como superintendentes de distrito.
Mais recentemente, em 20 de março de 1997, ocorreu outro evento emocionante. Num programa de notícias do rádio que vai ao ar na hora do almoço, as Testemunhas de Jeová de todo o Malaui tiveram a grata satisfação de ouvir que o governo estava devolvendo à Sociedade a antiga propriedade da filial. Confiscada em 1967 pelo governo anterior, a propriedade fora usada como Sede Regional Sul do Partido do Congresso de Malaui. Mas agora voltava às mãos dos legítimos donos — após uns 30 anos. Que testemunho foi para o inteiro país quando esta notícia foi repetida em todas as transmissões, nas principais línguas, durante todo o dia! Atualmente o prédio está sendo novamente usado para as reuniões cristãs regulares das Testemunhas de Jeová.
Jeová faz crescer
Jeová realmente abençoou a obra dos seus servos em Malaui desde o fim da proscrição. Muitos moradores insistem para que as Testemunhas de Jeová entrem em suas casas e aceitam as publicações e um estudo bíblico domiciliar gratuito. Por ocasião de um dos recentes Congressos de Distrito “Fé na Palavra de Deus”, uma mulher ficou surpresa de ver uma grande multidão de Testemunhas de Jeová se reunir perto de uma cidade chamada Namitete. “De onde vem tantos milhares de pessoas?” “É incrível! Vocês estiveram proscritos por tanto tempo.” Movida pelo que viu, a mulher juntou-se à feliz multidão de adoradores e escutou o programa. Depois disso, ela também concordou em estudar a Bíblia.
Alguns ex-inimigos também aceitaram a verdade, e alguns até pediram desculpas pelo que fizeram durante a proscrição. “Não era nós”, dizem. “O governo nos obrigou a fazer essas coisas ruins com vocês.” Os irmãos sentem-se muito felizes de acolhê-los nas reuniões. Até mesmo o ex-ministro do governo que deu “boas-vindas” aos irmãos quando foram obrigados a voltar de Moçambique em 1975, e lhes disse para voltarem para suas aldeias e cooperarem com o partido político dominante, está estudando a Bíblia com um pioneiro de Lilongwe.
Nenhuma Testemunha demonstra um espírito amargurado. Nenhuma tenta se vingar. (Rom. 12:17-19) Só o que querem é louvar a Jeová Deus, agora que têm liberdade para isso. Estão ansiosas de aprender a usar quaisquer instrumentos que as possam ajudar a serem instrutoras eficientes no ministério. Usando livros como Raciocínios à Base das Escrituras e Conhecimento Que Conduz à Vida Eterna, além das fitas de vídeo da Sociedade, estão iniciando milhares de estudos bíblicos com pessoas interessadas.
Não sabemos por quanto tempo Jeová permitirá que continuemos a procurar “os corretamente dispostos para com a vida eterna”. (Atos 13:48) Mas é evidente que há um potencial maravilhoso de colheita espiritual neste país. O mês de junho de 1998 viu um emocionante auge de publicadores: 42.770! Um total de 152.746 pessoas assistiram aos Congressos de Distrito “O Caminho de Deus para a Vida” realizados em 1998, e 120.412 estiveram presentes à Comemoração da morte de Cristo, celebrada no mesmo ano.
As Testemunhas de Jeová de Malaui antevêem um futuro realmente brilhante. Antes do dia de Jeová, esperam poder ajudar muitos outros milhares a obter o conhecimento exato da Palavra de Deus. Também aguardam com ansiedade o dia em que poderão acolher seus familiares e queridos amigos dentre os mortos — irmãos e irmãs na fé que preferiram morrer a transigir na sua preciosa fé. Anseiam o dia em que Malaui será parte de um paraíso global no qual todos viverão em segurança e todos os que amam e servem a Jeová desfrutarão para sempre de uma vida perfeita.
As Testemunhas de Jeová de Malaui enfrentaram grandes desafios à sua fé. Sua integridade em tempos de adversidades tem sido fonte de encorajamento para a inteira fraternidade mundial da qual fazem parte. E seu anseio de pregar as boas novas tanto em ‘época favorável, como em época dificultosa’ é um exemplo digno de se imitar. (2 Tim. 4:2) Aqueles que têm a chance de conhecê-las não podem deixar de pensar que encontraram nelas “o caloroso coração da África”.
[Nota(s) de rodapé]
a O cabeça de uma aldeia malauiana ocupa uma posição abaixo do chefe da aldeia.
[Mapa na página 191]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
ZÂMBIA
Campos de Sinda Misale
MALAUI
Lago Malaui
Lilongwe
Zomba
Blantyre
Mte. Mulanje
MOÇAMBIQUE
Campos de Mlangeni
Campos de Milange
MOÇAMBIQUE
[Gravura de página inteira na página 148]
[Foto na página 153]
Gresham Kwazizirah, batizado em 1925
[Foto na página 157]
Bill McLuckie no escritório da Sociedade, em Zomba
[Foto na página 162]
Uma típica aldeia malauiana
[Foto na página 165]
Alex Mafambana
[Fotos na página 170]
Testemunhas chegando a um congresso perto do monte Mulanje, em 1966
[Foto na página 177]
Testemunhas proscritas; portão da filial trancado
[Foto na página 178]
Embora a casa de Finley Mwinyere tivesse sido destruída, sua preocupação era fortalecer os irmãos
[Foto na página 186]
Bill McLuckie com a esposa, Denise
[Foto na página 192]
Palco central, de onde se davam instruções bíblicas e as tarefas no campo eram designadas
[Foto na página 193]
Batson Longwe, o “Sete-às-sete”
[Foto na página 194]
Campo de refugiados em Nazipoli, perto de Mlangeni, com casas construídas pelas Testemunhas para suas famílias
[Fotos nas páginas 200, 201]
Apesar de já terem sido presas por sua fé, as Testemunhas continuaram a servir a Deus com alegria
[Foto na página 202]
Correios que arriscaram a liberdade para levar alimento espiritual aos irmãos
[Foto na página 204]
Durante a proscrição, Ed e Linda Finch fizeram visitas regulares a Malaui
[Foto na página 210]
Anciãos num curso realizado ao ar livre
[Foto na página 215]
Keith e Anne Eaton, Linda e Jack Johansson — felizes de estarem de volta a Malaui
[Fotos na página 216]
Comissão de Filial (de cima para baixo): Lemon Kabwazi, Keith Eaton, Colin Carson
[Fotos na página 217]
Em cima: Testemunhas se ofereceram entusiasticamente para limpar a antiga propriedade da filial depois que ela foi devolvida
À direita: irmãos obtendo na filial publicações para a congregação
[Foto na página 218]
Malcolm Vigo reencontra Widdas Madona, com quem serviu na filial antes da proscrição
[Foto na página 220]
Salão do Reino com cobertura de sapé. Seiscentas congregações ainda precisam de Salão do Reino!
[Fotos na página 223]
Testemunhas alegres continuam a proclamar as boas novas do Reino em Malaui